Então, vamos lá
Algumas considerações iniciais:
O prêmio Nobel de Literatura é dado a autores por sua obra completa, a idade não sendo necessariamente tão importante, mas em geral, até para dar tempo de um autor compor um número de livros significantes para seus temas ficarem bem claros e consistentes, os escritores costumam ter entre 60+ e 70+, às vezes mais novos, como Pamuk em 2006 (54 anos), ou Tokarczuk, anunciada em 2019, mas prêmio de 2018 (57 anos), ou mais raro, na casa dos 80 - Doris Lessing, Tomas Tranströmer, Annie Ernaux, Alice Munro...
A Biblioteca Nobel, embora aberta ao público, foi fundada com o interesse de ajudar aos membros da Academia Sueca (organização que confere o prêmio de Literatura) a escolher os ganhadores...
Nos anos recentes, entre 2017 - 2021, quando o site da biblioteca ainda mostrava os livros dos autores que tinham sido emprestados (a partir de 2022 o acesso foi bloqueado... suspeito...), e isso ficava mais flagrante durante o período de verão, quando a biblioteca ficava fechada, com acesso apenas aos membros da Academia.
Isso permitiu durante aquele intervalo prever a maioria dos ganhadores - não só isso, mas parecia mostrar as direções em que a Academia estava indo - muitos autores noruegueses, franceses, africanos, norte-americanos, do leste europeu apareciam com muitos livros retirados para consulta, e, logo depois Fosse, Ernaux, Gurnah, Glück, Tokarczuk e Handke ganharam o prêmio, o que parece indicar que estes autores foram cotejados com outros de mesma nacionalidade ou língua, então, por exemplo, por muito tempo, junto de Ernaux,
Michel Houellebecq e
Helene Cixous etc tinham várias obras em consulta também; ou junto de Gurnah,
Mia Couto,
Ivan Vladislavic,
Zoë Wicomb,
Ngugi wa Thiong’o etc; Glück, Charles Simic,
Anne Carson,
Marilynne Robinson etc; Fosse,
Dag Solstad e
Knausgaard etc... por um tempo, os de língua espanhola
Homero Aridjis e
Enrique Vila-Matas foram bem citados...
e enquanto isso, muitos autores chineses tinham livros emprestados:
Can Xue,
Yu Hua,
Yan Lianke,
Yang Lian, Xi Xi (falecida há dois anos),
Bei Dao... Fica a questão: depois desses países/continentes/regiões recentemente terem ganhado o prêmio, será que chegou a vez da China (ou Ásia em geral)?
Além dos chineses citados, vale mencionar a coréia, nunca premiada. Um nome de peso seria
Hwang Sok-yong, um romancista e ativista muito renomado, com obras várias vezes indicadas ao prêmio inglês Booker Prize internacional;
Ko Un é um poeta enorme, mas suas chances podem ter sido prejudicadas por questões de assédio sexual... a poeta
Kim Hyesoon; e, no lado mais jovem, provavelmente para se manter à vista nos próximos anos,
Han Kang, já bastante publicada por aqui, até, com
A Vegetariana,
Atos Humanos, e
O Livro Branco.
Ainda na ásia, as japonesas
Yoko Ogawa e
Yoko Tawada vêm chamando bastante atenção. Aquela por suas sutis narrativas sobre memória; esta por sua linguagem audaciosa, experimentando com gêneros, trazendo à tona questões de fronteiras, não menos a linguística, já que ela escreve em japonês e alemão.
Outros candidatos que têm aparecido bastante nas especulações seriam:
os húngaros
Péter Nádas e, mais famoso,
Laszlo Krasznahorkai; o romeno
Mircea Cartarescu é outro que anda bem badalado;
Gerald Murnane, da austrália; novamente
Anne Carson, e
Michael Ondaatje do canadá (este último tendo nascido no Sri Lanka);
David Grossman permanece o israelense mais proeminente depois da morte de Amos Oz e A. B. Yehoshua;
António Lobo Antunes representa um dos últimos autores sempre citados como favoritos, e, devido à sua idade avançada, e, em especial, a revelação de seu estágio inicial de demência, pode ser a última chance do autor; outro favorito há muito é o poeta sírio
Adonis, de 94(!) anos, mas bem ativo ainda; o líbio
Ibrahim al-Koni, cantando a poesia do deserto em seus romances, seria uma aposta bem diversificada e surpreendente para muitos (recentemente publicado aqui pela Tabla com
O Tumor).
Em um
vídeo recente no insta falando sobre os processos de escolha dos candidatos ao prêmio, um dos membros do comitê mais ativo, Anders Olsson, falou coisas bem interessantes:
lembrou que embora os autores são escolhidos pela totalidade de sua obra, e esse é a prática mais comum, especialmente hoje em dia, já houve muitos casos em que um autor teve uma de suas obras-primas expressamente citadas como importantes para a atribuição do prêmio (Thomas Mann com
Os Buddenbrooks, por ex.); e que mesmo atualmente, dependendo da força de uma obra, às vezes esta ajuda a solidificar a escolha de um autor (penso em Tokarczuk, muito elogiada pela sua obra-prima
Os Livros de Jacó - a ser publicada pela Todavia);
falou muito também na importância do prêmio ser um segredo (provável razão de não se poder mais ver as movimentações na Biblioteca Nobel);
que, ainda mais do que antes, eles têm utilizado da ajuda de experts externos, contribuindo com traduções e relatórios sobre autores de línguas que os membros da Academia não dominam (de África, Ásia etc);
Uma escolha audaciosa, levando em consideração esses pontos, seria a australiana do povo aborígene Waanyi
Alexis Wright, que, apesar de ter escrito "apenas" quatro romances, seu último livro,
Praiseworthy, tem chamado a atenção pelo mundo afora, ganhando vários prêmios, e chamado de uma obra-prima e um clássico instântaneo, lidando com aspectos ambientais e da preservação do povo e terras indígenas. Além de ser um catatau de umas 800 páginas, de escrita experimental e cheia de frases polidas, lúdicas, e irônicas, conduzindo assim suas críticas.
Agora, em
uma outra postagem recente no insta do Prêmio Nobel, focaram bastante em lembrar as quatro vezes em que o prêmio de Literatura foi partilhado, a última há exatos 50 anos, com o prêmio controverso para os suecos Eyvind Johnson e Harry Martinson, ambos membros da Academia Sueca quando receberam o prêmio, com este último tirando a vida poucos anos depois por ter caído em depressão com a recepção negativa do prêmio (embora, como escritores, eles fossem e sejam tidos ainda em alta estima).
O que leva à especulação de se este ano teremos, depois de muito tempo, uma divisão entre dois escritores:
Kraszahorkai e
Nádas?
Can Xue e
Yu Hua?
Gerald Murnane e
Alexis Wright?
Por fim, para por um fim, por enquanto, porque este é um tema que não se esgota fácil, apesar de achar que o prêmio vai sim para a China, tenho uma aposta pessoal, por achismo, e pela crítica ser forte, e pelos temas da autora e sua abordagem, austera, lúdica, elegante, levemente experimental, e ainda assim bem-humorada, lembrando Ernaux e Glück:
Rachel Cusk.
Por ora é só, provavelmente o/a ganhador/a não está aqui, nem no meu radar, e não vejo o sentido de encher mais do que já está este post com nomes e mais nomes apenas pela quantidade. Como sempre, ao mesmo tempo que torço pelos meus favoritos, quero também ser surpreendido. Que a decisão, a ser anunciada nesta próxima quinta, seja bem acertada
!
Deixo aqui também
um texto recente da folha sobre apostas recentes de editoras brasileiras:
Nobel de Literatura faz editoras se apressarem a publicar autores favoritos
Livros inéditos de eternos cotados como Gerald Murnane, Mircea Cartarescu e Can Xue tentam antecipar o anúncio
Com o anúncio do
Nobel de Literatura na esquina —será na manhã da próxima quinta, dia 10— editoras se apressam para ter no seu catálogo os
autores mais citados como favoritos, antecipando os anseios de leitores que vão buscar o contato com as obras antes que seus direitos autorais encareçam.
Não é coincidência que a Todavia lance neste mês o primeiro livro do australiano Gerald Murnane no Brasil, o meditativo "As Planícies", para o caso de se tornar o primeiro escritor da Oceania a levar o Nobel.
É agora também que a Mundaréu publica seu segundo volume do romeno
Mircea Cartarescu, seu maior nobelizável —e não é qualquer livro, mas o ambicioso "Solenoide", obra caudalosa que compensará o esforço caso ele traga o prêmio ao leste europeu.
E a Fósforo tem a todo vapor a tradução da chinesa Can Xue, outra favorita fora do mercado brasileiro, sempre citada como possível "agora vai". Verena Veludo está traduzindo a ficção científica que deve ser batizada de "Histórias de Amor no Novo Milênio".
É a mesma editora que investiu corretamente nos últimos dois vencedores,
Jon Fosse e
Annie Ernaux, e editou no começo deste ano o argentino
César Aira, único latino-americano citado como possível azarão.
Outras candidatas perenes têm ampliado suas edições nos últimos anos —a canadense
Anne Carson em nada menos que quatro editoras, a russa
Liudmila Ulítskaia na 34 e a caribenha
Jamaica Kincaid, que
esteve há pouco na Feira do Livro, na Alfaguara. Mas sabemos bem como o Nobel gosta de surpreender.