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Clube de Leitura 13º Conto - Kholstomér (Tolstói)

Molly Bloom

Vadí? Nevadí.
Conforme indicações e enquete, o conto escolhido para a 13ª edição do Clube de Leitura foi Kholstomér, do Tolstói.

A discussão começa no próximo domingo, 20/01/2019.
Enquanto isso, fique à vontade para escrever sobre o autor, edições disponíveis, entre outros assuntos relacionados, evitando referências a pirataria e sites suspeitos.

Lembrando que todos podem participar da discussão, sempre levando em conta as Regras e Diretrizes do Clube de Leitura.
 
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Liev Nikoláievich Tolstói (em russo: Лев Николаевич Толстой) nasceu em 9 de setembro de 1828 e faleceu em 20 de novembro de 1910; com certeza trata-se de um dos maiores escritores de todos os tempos.

Nascido em uma família aristocrática, Tolstói é conhecido principalmente pelos romances Guerra e Paz (1869) e Anna Karenina (1877), muitas vezes citados como verdadeiros exemplos da ficção realista. Ele alcançou aclamação literária ainda muito jovem, primeiramente com sua trilogia semi-autobiográfica, Infância, Adolescência e Juventude (1852-1856) e por suas Crônicas de Sebastopol (1855), obra que teve como base suas experiências na guerra da Criméia. A obra literária de Tolstói inclui ainda dezenas de histórias curtas e várias novelas e contos como A Morte de Ivan Ilitch (1886), Felicidade Conjugal (1859) e Hadji Murad (1912). Ele também escreveu algumas peças para teatro e diversos ensaios filosóficos.
 
Alguns aspectos históricos e biográficos que envolvem Kholstomér: foi escrito entre 1863 e 1886, em uma época em que a Rússia sofria profundas mudanças sociais e políticas, promovidas por Alexandre II, em especial a Emancipação dos Servos, promulgada em março de 1861 e, com a liberalização política e econômica, o nascimento de uma pequena classe burguesa que começava a ofuscar a secular aristocracia russa. Tolstói era apaixonado por cavalos e já tinha em mente escrever algo sobre esse animal desde ao menos 1856, quando registrou em seu diário esse desejo; o tema, no entanto, foi idealizado por Stakhovich a quem Tolstói honrou a dedicatória do texto.

Essa obra-prima da narrativa curta russa tornou-se especialmente célebre após a publicação do ensaio A Arte como Procedimento, de Viktor Chklóvski, em 1917, o qual a utiliza como exemplo de excelência do conceito de 'estranhamento' da linguagem poética, já que a história é narrada e o mundo é descrito e sentido a partir do ponto de vista de um cavalo.
 
Última edição:
O conto Kholstomér, A história de um cavalo, pode ser considerado uma narrativa perfeita e, ao mesmo tempo, estranha entre as obras do autor. O que existe é o estranho binômio “homem-cavalo” incutido em duas histórias paralelas. Além disso, a estranheza se dá justamente por possuir como característica a própria descrição de dois seres, o cavalo e o seu dono.

Como já foi dito, esse conto foi iniciado em 1860, um ano antes da reforma que “aboliu” o estatuto servil e preparou as condições de que o capitalismo precisava para se instaurar e se desenvolver na Rússia, o conto trabalha com idéias e principalmente com questões como a propriedade privada e a posse.

Podemos observar que a narrativa desenvolvida por Tolstói apresenta dois aspectos importantes, que saltam à vista do leitor. O primeiro, trata-se do profundo conhecimento e paixão que o autor nutria pelos cavalos, a ponto do escritor Turguiêniev, após ter ouvido do próprio conde o enredo da história, expressar-se em risos: “(...) Liev Nikoláievitch, algum dia você foi cavalo!”. Outro fato é a sensibilidade igualmente profunda que Tolstói possuía para captar e, ainda, antecipar elementos da vida e da história que se encontrava ainda em desenvolvimento.
 
Já em Guerra e Paz dá pra notar como Tolstói gostava de imprimir esse efeito de estranhamento usando cavalos. Claro, não chega a utilizar o discurso indireto livre para os animais e não o faz no nível de acabamento de Kholstomér mas a relação que Nikolai Rostóv tem com seus cavalos e a forma como os valoriza (os encarava como muito mais do que simples montarias) já é uma sugestão desse estranhamento.

Guimarães Rosa, que amava bois, também usava animais para causar estranhamento. O Burrinho Pedrês e, principalmente Conversa de Bois (ambos contos de Sagarana), são bons exemplos do uso extensivo dessa técnica.
 
Já em Guerra e Paz dá pra notar como Tolstói gostava de imprimir esse efeito de estranhamento usando cavalos. Claro, não chega a utilizar o discurso indireto livre para os animais e não o faz no nível de acabamento de Kholstomér mas a relação que Nikolai Rostóv tem com seus cavalos e a forma como os valoriza (os encarava como muito mais do que simples montarias) já é uma sugestão desse estranhamento.

Guimarães Rosa, que amava bois, também usava animais para causar estranhamento. O Burrinho Pedrês e, principalmente Conversa de Bois (ambos contos de Sagarana), são bons exemplos do uso extensivo dessa técnica.

Gosto muito dos contos de Sagarana; João Guimarães Rosa é um dos meus escritores brasileiros favoritos.
 
Comecei a ler o conto ontem e estou achando muito bom. Nesse início vemos que Tolstói faz, pelo menos em minha opinião, uma analogia com os seres humanos, que não dão o devido valor e nem respeitam os idosos. Também podemos observar que o velho cavalo Kholstomér sofre "bullying", quando ainda não se usava este termo como o conhecemos hoje.

Por enquanto é isso.
 
Sim, ele sofre. haha

E os cavalos também têm "sentimentos aristocráticos".
** Posts duplicados combinados **
Acho interessante também a crítica que Tolstói faz ao momento político, social e econômico russo usando a relação anfitrião x Sierpukhóvskoi, o antigo dono de Kholstomér. O anfitrião, representante da incipiente e ascendente burguesia russa, que vai substituindo, como elite econômica, a decadente aristocracia russa, que enriqueceu explorando a servidão, não mais existente. A aristocracia falida, no conto, é representada por Sierpukhóvskoi. Essa aristocracia agora era tão inútil que nem mesmo seus ossos prestavam.

A nobreza russa era, há 20 anos, um corpo morto [que] vinha andando pelo mundo como um grande estorvo para todos.

Esse conto ilustra bem o que afirma Isaiah Berlin no famoso ensaio O Ouriço e a Raposa. Tolstói, querendo sempre ser um ouriço, não consegue evitar fazer digressões sobre os mais variados assuntos e, assim, acaba por revelar sua natureza de raposa.

É um conto maravilhoso e tocante. A passagem do esfolador é uma das mais pungentes da história da literatura.
 
Ressalto, logo no quarto parágrafo, a sensação de estranhamento ao ler sobre o sentimento dos cavalos em relação a Niéster: "Os cavalos não se assustaram nem um pouco e muito menos se ofenderam com o tom zombeteiro do peão, fingiram que não era com eles...". Já acostumados ao tratamento agressivo do peão, os cavalos apenas o ignoram - isso contrapõe a metáfora que se utiliza ao dizer que determinado indivíduo é um cavalo, entendendo-o como indivíduo grosseiro e rude. Niéster é grosseiro, é um animal enquanto os cavalos são mais sensíveis.

No mais, os cavalos vivem como uma comunidade praticamente humana. Por ser malhado e diferente, o protagonista recebe tratamento diferente, tanto dos homens quanto dos cavalos. A velhice também é algo que pesa para eles, assim como na nossa sociedade. No capítulo III, há uma descrição de como esses animais convivem quando soltos no campo. Uma sequência de imagem humanas: a mãe que olha de esguelha, cuidando do filho; as éguas mais novas que andam em grupos e alegres, sendo que a mais bela lidera o grupo (Tolstói serviu de base pra Meninas Malvadas :dente:). E o protagonista, nesse meio, sofrendo mais com as éguas do que com os humanos, hahaha.

Para concluir a ideia, um trecho que fala sobre empatia: "Os cavalos só têm pena de si mesmos e, de vez em quando, daqueles em cuja pele podem se colocar." E não funciona assim com nós humanos? Temos pena das pessoas ou sentimos dor por elas quando sabemos que podemos passar pela mesma situação.

Sobre o sentimento aristocrático mencionado pelo @Daniel Hume, ali também tem desigualdade social. haha.
 
Terminei de ler neste fim de semana o conto em questão. Achei muito interessante.

Antes de colocar minhas considerações finais, gostaria de saber quem também já terminou de ler o conto e o que acharam do mesmo.
 
Olá @Spartaco, também já finalizei o conto. Devo dizer que, de modo geral, trata-se de uma narrativa muito bem escrita e que surpreende no final. Não esperava uma comparação entre o cavalo e seu antigo dono (a qual, aliás, foi escrita com maestria).

Antes de comentar o final, no entanto, gostaria de ressaltar o aspecto religioso. Como sabemos, Tolstói gostava de dar um jeito de tascar religião no meio, hahaha. Na passagem em que conversam dois cavalariços: "Não tem senso cristão. Tem mais pena de animal do que de homem; logo se vê que não usa cruz no pescoço... ele mesmo contou as chicotadas que me deu, o bárbaro"; na sequência Kholstomér continua a narrativa dizendo: "Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões e o cristianismo...". Bom, a tortura pode ter sido percebida pelo cavalo, mas ele sabia até da prática cristã, conhecia o cristianismo? O que vocês acham dessa passagem?
 
Achei muito interessante o contraste que o escritor apresenta entre a morte do cavalo Kholstomér e o seu antigo dono, pois Tolstói termina a história do cavalo com a menção de que os ossos e o crânio foram transformados em “objetos úteis”, além disso enfatiza o valor e a utilidade que o cavalo continua a ter, mesmo após a morte, pois se em vida ele havia sido um “objeto útil” para seus nobres donos, agora, morto, o restante de seus despojos continua a ser proveitoso para os camponeses da região.

Por outro lado, o conto termina narrando a morte de Sierpukhóvskoi, cuja função principal parece mostrar superioridade dos cavalos em relação aos seres humanos:
“Depois de muito andar pelo mundo, comer e beber, o corpo morto de Sierpukhóvskoi foi recolhido à terra. Nem a pele, nem a carne nem os ossos serviram para nada”.

Assim, nos é revelado o egoísmo e a inutilidade da vida levada pelo seu velho dono, estabelecendo uma relação direta com o cavalo pela referência à pele, carne e ossos de Kholstomér, destacando o contraste brutal entre a nobreza do cavalo e a decadência do ser humano.

Em conclusão, conforme escreveu Sigrid Renaux:
A função desta oposição seria ironizar a falsidade dos valores atribuídos à aparente nobreza de homens como o príncipe, que recebe uma sepultura, uniforme novo e botas engraxadas, em contraposição a Kholstomér, cujo pêlo malhado havia sido tão maltratado pelos homens e, depois de morte, ainda esfolado, e cujos cascos também haviam sido destruídos pelos maus tratos dos homens.
 
1) Genial foi a explicação da ideia de posse, que parece incompreensível para Kholstomér:
Os homens não orientam suas vidas por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizando-se de palavras que convencionam entre si. Dessas, as que mais consideram são "meu" e "minha", que aplicam a várias coisas seres e objetos, inclusive à terra, às pessoas e aos cavalos. Convencionaram entre si que, para cada coisa, apenas um deles diria "meu". E aquele que diz "meu" para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para quê isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada.

Nesse sentido, percebemos que o cavalo é mais inteligente e sensível que o humano, que, por sua vez, se apega a materialidades com o intuito de ser feliz. O homem precisa reforçar que possui coisas, pessoas e animais diante dos outros. E o que é de um não pode ser de outro. Complementando com a primeira frase: o homem se define na linguagem, mesmo que suas atitudes não sejam condizentes com o que se fala.

2) A relação homem-animal, em que o segundo se vê subjugado ao primeiro, mas incapaz de se separar deste:
Embora tenha sido ele a causa da minha ruína, embora ele não gostasse de nada nem ninguém, justamente por isso eu gostava e ainda gosto dele.

Mais tarde, ainda acrescenta que por conta do seu dono, perdeu metade da vida. (Kholstomér também tem seus complexos.)

3) A cena do charuto. Quando último proprietário de Kholstomér, homem muito rico, recebe Sierpukhóvski, que está falido, os dois iniciam uma pequena discussão sobre os charutos, cada qual querendo mostrar sua superioridade sobre o outro. Na cena, fica claro que o anfitrião e sua esposa possuem certa aversão ao visitante, já que este não faz mais parte do mesmo círculo social.

4) Sobre a cena final, não poderia comentar melhor que o @Spartaco: o homem, que é inútil tanto em vida quanto após a morte, recebe uma sepultura como mera formalidade:
E como há vinte anos seu corpo morto vinha andando pelo mundo como um grande estorvo para todos o seu recolhimento à terra foi apenas uma dificuldade a mais para as pessoas

enquanto o cavalo, que foi útil sempre, é deixado aos corvos após o homem (que é inútil) utilizar-se dele ao máximo.
 

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