Melian
Período composto por insubordinação.
Quando o leitor abre as Memórias póstumas de Brás Cubas, encontra a dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico, como saudosa lembrança, estas memórias póstumas”. Dedicatória sempre mencionada, mas, não necessariamente, sempre discutida. Por que o livro é dedicado ao verme que primeiro roeu as frias carnes do cadáver de Brás Cubas? Uma resposta possível é que ele não poderia dedicar o livro a ninguém porque teve uma vida que não se realizou, como se pode comprovar no capítulo Das negativas, quando o narrador afirma que não teve filhos, ou seja, ele não tinha ninguém, não não construiu laços com ninguém. Ele teve uma vida parasitária, nada mais justo do que dedicar as memórias aos parasitas que roeram suas carnes, ou seja, aos únicos que sobraram-lhe, ou melhor, para quem ele sobrou. Outra resposta possível ao questionamento do porquê da dedicatória ao verme é que se trata de uma crítica a quem escreve sobre si mesmo. Se voltarmos nosso olhar para o capítulo 27 das Memórias, podemos articular melhor essa linha de raciocínio. Nele é dito que o homem é um caniço pensante, porque pode mudar e que "cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior [...] que o editor dá de graça aos vermes". A partir do trecho em destaque, podemos inferir que Machado de Assis está dizendo, de uma forma que ninguém entende, que a autobiografia é impossível. Estamos, sempre, corrigindo nossa vida, mas, quando chegamos à edição definitiva, quando morremos, só podemos ofertá-la aos vermes. Ítalo Calvino, em Por que ler os Clássicos, disse que "clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer". Voltamos, sempre, a Machado, porque tanto tempo após sua morte, sua obra continua a ter coisas impactantes e impressionantes a nos dizer. Diante disso, deslocando a função-narrador para a função autor, poder-se-ia dizer que somos uma espécie de vermes que, ao invés de destruírem as palavras machadianas, cumprem a função de degluti-las e, então, devolvem-nas à biblioteca-mundo, para que elas continuem a dizer o que precisam dizer.
Bruno Portebrás disse:Segue, mestre.

1. Shikasta (Doris Lessing)
O livro que abre a pentalogia de ficção científica Canopus in Argos: Arquivos. E de longe o meu favorito entre os cinco (embora eu goste de todos eles). Um dos livros que descobri na estante do meu padrasto. Li pela primeira vez com quinze anos e li umas cinco vezes depois disso, sempre compreendendo um pouco melhor cada vez que lia. É uma história contada do ponto de vista de enviados intergaláticos que vêm para a Terra acompanhar a evolução do planeta e sua derrocada no Século da Destruição (XX). Eu acho absolutamente fabuloso a maneira com que a Doris Lessing escolhe abordar a dinâmica entre as diferentes potências intergaláticas e os eventos da evolução humana. Eu sou um evangelista do livro. Indico pra todo mundo que leia. Já comprei exemplares para dar. E não compreendo como que Shikasta não está no cânone de obras obrigatórias da Ficção Científica.
2. Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
Eu sou meio básico. E os melhores que eu já li realmente são bem conhecidos. Nesse caso do Machado, eu li já velho burro. Tinha uns 20 anos. E fiquei fascinado com a maneira com que o Machado escreve. Parece meio óbvio, mas a sensação que eu tive foi: nossa, olha o que é possível fazer combinando palavras em português. Que sensação impressionante. Que leitura deliciosa. Como o português é lindo.
3. Duna (Frank Herbert)
Mencionei em um tópico, menciono aqui. Ele se tornou meu livro favorito, porque foi o livro que me tirou de uma década sem ler qualquer livro. Foi o livro que me trouxe de volta ao prazer insubstituível de sentar, abrir um livro e entrar num mundo qualquer. E foi Duna que me trouxe de volta. E por isso serei eternamente grato. No mais, eu gosto muito como o Frank Herbert escreve e planta suas fintas sobre fintas entre os personagens. Gosto muito do modo que ele usa os pensamentos, por exemplo.
4. A Sociedade do Anel (J.R.R. Tolkien)
Parece redundante citar Tolkien nesse fórum. Mas em qualquer outro lugar, eu citaria. Então não vou roubar aqui. A verdade é que o primeiro livro da trilogia, pra mim, é o melhor de todos. Li quando tinha 14 para 15 anos, porque vi uma amiga lendo também e ela me contou mais ou menos sobre o que era. Até hoje quando penso em Senhor dos Anéis e principalmente A Sociedade do Anel, me vem uma sensação imediata daquela época. Aquelas árvores retorcidas da capa me levam para um lugar de fantasia 'estranha', diferente, mágica, mas não magia de bola de fogo, uma sensação mágica mesmo. Eu amo A Sociedade do Anel e foi um dos primeiros livros a me jogar em um mundo criado, diferente e enxergar essa possibilidade também.
5. O fim da morte (Cixin Liu)
Esse é o mais recente que entrou no meu Top 5. Pra equilibrar um pouco com o início da leitura, em que tudo é novo e marcante, com algo que me chocou como se eu fosse uma criança. O Fim da Morte é o fim da trilogia do Problema dos Três Corpos e eu sinto que ele resolve de maneira épica, intrigante e profunda. Volta e meia eu volto a pensar na trama e nas suas resoluções. E gosto muito que o livro não se apoia somente e tão somente na ciência, há muito coração por todo lugar do universo e isso faz muita diferença também. Gosto porque me sinto representado: muita ciência, mas tanto coração também.