Melian
Período composto por insubordinação.
O precursor do hiperdistraidismo fazendo anotações mentais. Não tinha como dar errado.Eu fui fazendo anotações mentais enquanto lia, para postar aqui depois, mas quando terminei, esqueci.
Ainda bem que já falaram sobre o conto, porque eu ia perguntar se você queria saber sobre ele.Só lembro de uma: alguém me explica aquele capítulo dos chapéus?
Certeza que a @Melian vai.
Ó, se eu não estiver enganada — e, quase sempre, estou —, na parte em que tece considerações sobre a filosofia da ponta do nariz, Brás utiliza o cérebro dos chapeleiros para exemplificar o que falara anteriormente sobre a ponta do nariz, não? Se não for sobre isso, sorria e acene.
Segue a fala do Brás: Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu há dous anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival; o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem só duas portas, e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando, concentrado, com os olhos para baixo ou para a frente, a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso, quando ele chapeleiro é muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro… Nesse instante é que os olhos se fixam na ponta do nariz.
Roberto Schwarz diz que Brás é um narrador que cometeu traição de classe, àquela a que pertencia. O crítico classifica, magistralmente, o narrador das Memórias como volúvel, muda de ideia a cada linha, faz troça de tudo e todos, desrespeita o leitor e, ao mostrar seu estilo de vida, isto é, a burguesia que se instaurava no Brasil de outrora, evidencia as mesquinharias em que tal classe se apoiava. Com isso em mente, Schwarz diz que a busca de uma "supremacia qualquer" comanda o ritmo e a forma da obra. Aqui, entra, a meu ver, a filosofia da ponta do nariz e, por conseguinte, a explicação sobre os chapéus, mas não nos apressemos.
A reflexão sobre a ponta do nariz se dá a partir de um aforismo: Cada homem tem necessidade e poder de contemplar o seu próprio nariz, para o fim de ver a luz celeste. Século das luzes, a ideia da ponta do nariz como a universalidade do homem (mas é uma ideia fora de lugar — Schwarz tem um texto maravilhoso sobre isso! —, visto que a sociedade brasileira importou ideias liberais, mas o sistema que a sustentava era escravocrata!)... Mas, se pensarmos bem, não há nada de celestial em contemplar o próprio nariz, uma vez que ficar olhando por muito tempo para o próprio nariz faz com que nosso olhar fique enviesado e nossas ideias também o fiquem. Nesse muito olhar para o próprio umbigo, próprio da sociedade brasileira que se formava, e que buscava uma supremacia qualquer, nem que seja no âmbito da fantasia, embotava-se a dimensão do indivíduo e da sociedade. No caso dos chapéus, é o que acontece. O chapeleiro cria uma fantasia na qual o outro — cuja chapelaria prospera — é inferior a ele para não admitir sua fraqueza, inabilidade, ou o que quer que seja. O homem "comum" reflete as características de uma elite ressentida, escravagista, que contempla apenas a ponta de seu nariz, cheia dos seus vazios, e disposta a tudo para defender sua posição de classe.
Segue a fala do Brás: Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu há dous anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival; o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem só duas portas, e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando, concentrado, com os olhos para baixo ou para a frente, a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso, quando ele chapeleiro é muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro… Nesse instante é que os olhos se fixam na ponta do nariz.
Roberto Schwarz diz que Brás é um narrador que cometeu traição de classe, àquela a que pertencia. O crítico classifica, magistralmente, o narrador das Memórias como volúvel, muda de ideia a cada linha, faz troça de tudo e todos, desrespeita o leitor e, ao mostrar seu estilo de vida, isto é, a burguesia que se instaurava no Brasil de outrora, evidencia as mesquinharias em que tal classe se apoiava. Com isso em mente, Schwarz diz que a busca de uma "supremacia qualquer" comanda o ritmo e a forma da obra. Aqui, entra, a meu ver, a filosofia da ponta do nariz e, por conseguinte, a explicação sobre os chapéus, mas não nos apressemos.
A reflexão sobre a ponta do nariz se dá a partir de um aforismo: Cada homem tem necessidade e poder de contemplar o seu próprio nariz, para o fim de ver a luz celeste. Século das luzes, a ideia da ponta do nariz como a universalidade do homem (mas é uma ideia fora de lugar — Schwarz tem um texto maravilhoso sobre isso! —, visto que a sociedade brasileira importou ideias liberais, mas o sistema que a sustentava era escravocrata!)... Mas, se pensarmos bem, não há nada de celestial em contemplar o próprio nariz, uma vez que ficar olhando por muito tempo para o próprio nariz faz com que nosso olhar fique enviesado e nossas ideias também o fiquem. Nesse muito olhar para o próprio umbigo, próprio da sociedade brasileira que se formava, e que buscava uma supremacia qualquer, nem que seja no âmbito da fantasia, embotava-se a dimensão do indivíduo e da sociedade. No caso dos chapéus, é o que acontece. O chapeleiro cria uma fantasia na qual o outro — cuja chapelaria prospera — é inferior a ele para não admitir sua fraqueza, inabilidade, ou o que quer que seja. O homem "comum" reflete as características de uma elite ressentida, escravagista, que contempla apenas a ponta de seu nariz, cheia dos seus vazios, e disposta a tudo para defender sua posição de classe.