O Ciro me parece ter aprendido uma coisa ou duas sobre a França quando veio.
O Macron tinha sido ministro de um governo de esquerda. Era jovem e ambicioso, com a "formação acadêmica perfeita" para ser político de sucesso. Ele percebeu que tinha começado a se formar um antagonismo forte entre uma esquerda desgastada e sob acusações de corrupção e a extrema direita do Rassemblement National, da Marine le Pen. E então ele decide se lançar como terceira via de centro, centro-esquerda, com uma visão de renovação e de evitar que o antagonismo gerasse uma perfect storm para a extrema direita.
Ele ganha, assume e vira a casaca se mostrando um neoliberal que está mais à direita do que ao centro - nada de centro-esquerda. Logo depois ele começa a sofrer resistência dos gillets jaunes por causa de umas políticas desastradas de pseudo motivação ambiental - o aumento das taxas nos combustíveis de carros, que era um despropósito, já que os bobos de Paris (bobo é expressão em francês, leia-se bobô de Parrí, a nova burguesia) não têm carro mas torram muito mais carbono porque vivem viajando de avião. A nova taxação nos combustíveis pegou pesado para quem é da province (não confunda com Provence, região rica do sul da França. Province é o "interior", a "roça", basicamente tudo que não é Paris). E aí francês foi fazer o que sabe fazer de melhor e botaram tudo abaixo, arrancaram até o pavimento da Champs Elysées, foi uma zona, mas certos eles.
Macron passou / tentou passar várias reformas para ajustar as contas públicas em razão de algumas mudanças que de fato são delicadas, como a questão do aumento da expectativa de vida e reforma da previdência. Mas o Macron é bem neoliberal mesmo, quase que um partido Novo da França, tanto é que um dos projetos dele é fazer da França uma startup nation, blablabla.
Bem. Vem 2020, vem pandemia. E aí é que eu não consigo mais criticar seu Monsieur Macron. Eu estive aqui a pandemia toda e ele deu um show de como um chefe de Estado tem que se comportar. Ele foi firme e fez o que tinha que fazer. Tomou paulada de todos os lados. Ou ele estava agindo aquém do que devia, para uns, ou ele estava sendo um autoritário, limitando demais a liberdade das pessoas, para outros. O fato é que a França não colapsou. A França foi muito bem nesse jogo de equilibrista que foi o pesadelo de qualquer governante - Macron se saiu bem, ao menos na minha visão.
Então no início deste ano teve eleições presidenciais, e estava entre ele e a Le Pen. Eu, brasileira, vendo a rusga do bozo com o Macron, simpatizei ainda mais com o Macron, rsrs. Mas tinha muita gente mais progressista na França que não queria nem ir votar, nem fazer voto útil nele. Afinal, tinha Melanchon concorrendo no primeiro turno. E, sim, Melanchon é um querido, um Boulos francês.
Mas eu fiz campanha feroz para convencer meus amigos que podiam votar nas eleições francesas a votar Macron. Expliquei que eu, como estrangeira - mais ainda, como brasileira - implorava para fazerem tudo que desse pra evitar Le Pen.
Estava eu em um protesto pelo clima aqui no centro de Strasbourg um dia um pouco antes das eleições e um amigo meu dos movimentos ecologistas me faz a seguinte analogia sobre a eleição do Macron:
"Imagina que tu tem que escolher entre entrar em uma de duas salas. Uma das salas está totalmente cheia de cobras venenosas. Centenas delas. A morte é certa. Na outra sala, tem apenas uma cobra venenosa, uma sala de alguém mais bonzinho. A escolha parece bem simples, né? Agora deixa eu te dar uma informação: foi a pessoa responsável pela sala de uma cobra só que te forçou a fazer essa escolha entre as duas salas. Isso muda como tu enxerga essa escolha?"
Achei genial. Realmente, Macron forçou a barra para que sua oponente fosse Marine Le Pen, porque ele sabia que teria mais chances de ganhar. Essa parte dos franceses acusa ele de ter deliberadamente "alimentado o monstro" da extrema direita, e, portanto, jogado com toda a nação.
[Mas eu ainda respondi para esse amigo: vota no Macron mesmo assim!!!! Se não por ti, pelos estrangeiros e pela Amazônia! Cada maluco da extrema direita no poder reforça os malucos da extrema direita em outros países e este ano tem eleição no Brasil!]
Me parece que essa das duas salas com as cobras é o que Ciro está tentando fazer para 2026 ou 2030. Sei que tem uma cambada de gente que acusa justamente o PT de fazer o "nós contra eles", a tal da polarização. Mas não me parece estar no mesmo nível. Acho que o Ciro está feroz demais na estratégia de marketing. E, de fato, a estratégia / o time dele conseguiu mobilizar as redes em favor do Ciro e tornar ele um político pop entre os jovens de classe média como o MBL mostrou que era possível fazer. Mas a que custo? Precisava ir tão longe? Poxa, Ciro, que decepção, um cara tão inteligente...
Mais Marina Silva, menos Ciro Gomes. Uma pena. Votei com convicção nele em 2018.
Marina, a eterna presidente que o Brasil não fez por merecer. Forever in my