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Cite um trecho do livro que você está lendo! [Leia o 1º post]

  • Criador do tópico Criador do tópico Anica
  • Data de Criação Data de Criação
"Félix, a quem de antes conhecemos, pois que já o encontramos almoçando com a família de Venâncio, é um primo do primeiro gênero; perdido de amores por sua prima Rosinha, tem mais ciúmes dela do que uma criança do colo de sua mãe; Rosa, que o vê com olhos de quem quer casar, e que além disso é moça entendida em negócios diplomáticos, o julga um moço que, por falta de outro, lhe poderá servir para marido; e por conseqüência, segundo a tática, que em outras pode ser observada, nem o despede, nem se deixa dominar; trá-lo atrás de si, como o seu gatinho; se o vê exasperado e disposto a fugir-lhe, sorri-se para ele, e assim o amansa, e o faz beijar-lhe os ferros; se o observa muito altaneiro e confiado em sua constância, não olha para ele um dia inteiro, e o põe com o juízo em voltas, e a esperança em alarma. Já se vê, portanto, que Félix pertence ao número dos tolos de amor."
(O Moço Loiro - Joaquim Manuel de Macedo)


Não te censuro, Félix, eu também já tive uma queda por uma prima. :timido:
 
Abertura do conto "Uma alma simples", de Flaubert:

Durante meio século, as burguesas de Port-l'Évêque invejaram a sra. Aubain por causa de sua empregada Felicité.

Cinquenta anos. Esse pessoal não tinha mesmo muito pra fazer. :hahanao:

Fiquei interessado em ler esse do Flaubert, desde que li "Uma Vida em Segredo", do Autran Dourado, e vi por aí algumas comparações. Depois me conta o que achou desse texto do Flaubert, @Molly Bloom ?
 
Fiquei interessado em ler esse do Flaubert, desde que li "Uma Vida em Segredo", do Autran Dourado, e vi por aí algumas comparações. Depois me conta o que achou desse texto do Flaubert, @Molly Bloom ?
Como história, não é lá grande coisa, porque justamente vai apontar a regularidade da vida burguesa - toda quinta a visita do fulano, todo mês blábláblá, e aí alguns acontecimentos ali no meio que vão trazer alguma comoção pontual à história.

O que acompanhamos em meio a isso é a trajetória da Felicité, que é para onde aponta a câmera do autor em 3ª e é a pessoa de classe baixa a viver com essa senhora em condições que eu diria análogas à escravidão; no entanto, ela sempre faz tudo com muito empenho, se dedica às atividades e aos cuidados, uma "alma simples", em suma.
Antes de estar nessa casa, ela sofre de uma desilusão amorosa na juventude (se apaixona por um cara que primeiro tenta estuprá-la) e, depois disso, vai procurar o trabalho, a partir daí passa a se apegar a várias coisas que circulam nessa casa, mas nada é dela efetivamente. Isso só pode dar em pizza.

Como o meu intuito era o contato mesmo com a literatura do Flaubert, o conto foi bom, porque justamente mostra o narrador distanciado do objeto (tem gente que chama de oculto) que vai mostrando o cotidiano sensabor da burguesia. Também dá pra ver o poder de condensação do escritor que é absurdo.
 
Difícil citar um trechinho de Esperando Godot, a piada leva páginas pra fechar o círculo:

VLADIMIR: Ah, é, os dois ladrões. Você se lembra da história?

ESTRAGON: Não.

VLADIMIR: Quer que eu conte?

ESTRAGON: Não.

VLADIMIR: Ajuda a passar o tempo. (Pausa) Dois ladrões, crucificados lado a lado com o nosso Salvador. Um deles…

ESTRAGON: Nosso quê?

VLADIMIR: Nosso Salvador. Dois ladrões. Dizem que um deles se salvou e outro… (Busca o contrário de “salvar-se”) se perdeu.

ESTRAGON: Se salvou do quê?

VLADIMIR: Do inferno.

ESTRAGON: Vou embora. (Ele não se move).

VLADIMIR: E no entanto… (Pausa) Como é que… não estou te enchendo, tô?

ESTRAGON: Não estou ouvindo.

VLADIMIR: Como é possível que, dos quatro evangelistas, só um fale em ladrão salvo? Todos os quatro estavam lá – ou por perto – e apenas um fala em ladrão salvo. (Pausa) Vamos lá, Gogô, minha deixa, não custa, uma vez em mil…

ESTRAGON: Estou ouvindo.

VLADIMIR: Um em quatro. Dos outros três, dois nem falam disso e o terceiro diz que eles o xingaram, os dois.

ESTRAGON: Quem?

VLADIMIR: O quê?

ESTRAGON: Que confusão! (Pausa) Xingaram quem?

VLADIMIR: O Salvador.

ESTRAGON: Por quê?

VLADIMIR: Porque não quis salvá-los.

ESTRAGON: Do inferno?

VLADIMIR: Não, tonto. Da morte.

ESTRAGON: E daí?

VLADIMIR: Então os dois devem ter ido pro inferno.

ESTRAGON: E então?

VLADIMIR: Mas um dos quatro diz que um foi salvo.

ESTRAGON: E daí? Não chegaram a um acordo e ponto.

VLADIMIR: Todos os quatro estavam lá. E só um fala em ladrão salvo. Por que acreditar nele e não nos outros?

ESTRAGON: Quem acredita nele?

VLADIMIR: Todo mundo. Foi a versão que vingou.

ESTRAGON: O povo é de uma burrice.
 
Como história, não é lá grande coisa, porque justamente vai apontar a regularidade da vida burguesa - toda quinta a visita do fulano, todo mês blábláblá, e aí alguns acontecimentos ali no meio que vão trazer alguma comoção pontual à história.

O que acompanhamos em meio a isso é a trajetória da Felicité, que é para onde aponta a câmera do autor em 3ª e é a pessoa de classe baixa a viver com essa senhora em condições que eu diria análogas à escravidão; no entanto, ela sempre faz tudo com muito empenho, se dedica às atividades e aos cuidados, uma "alma simples", em suma.
Antes de estar nessa casa, ela sofre de uma desilusão amorosa na juventude (se apaixona por um cara que primeiro tenta estuprá-la) e, depois disso, vai procurar o trabalho, a partir daí passa a se apegar a várias coisas que circulam nessa casa, mas nada é dela efetivamente. Isso só pode dar em pizza.

Como o meu intuito era o contato mesmo com a literatura do Flaubert, o conto foi bom, porque justamente mostra o narrador distanciado do objeto (tem gente que chama de oculto) que vai mostrando o cotidiano sensabor da burguesia. Também dá pra ver o poder de condensação do escritor que é absurdo.

Show de bola. Muito obrigado por compartilhar as suas impressões, Molly! :)
 
Charlotte Lieberman, ao escrever na Cosmopolitan sobre o fenômeno de ficar fria, cita o Dr. Michael Kimmel, autor de Guyland, e a Dra. Lisa Wade, professora de sociologia, para argumentar que, ao agir com frieza, basicamente as mulheres estão assumindo o típico padrão comportamental “masculino” de não demonstrar emoções e evitar a vulnerabilidade. Isso é algo que os homens são socializados para fazer desde pequenos, aprendendo que homens de verdade são impassíveis. Sinceramente, é uma merda que os caras sejam ensinados assim, e uma mulher fazer o mesmo é a clássica armadilha do feminismo (branco): em vez de inventar estruturas de poder próprias e abolir papéis de gênero de um modo que incentive verdadeira igualdade e compaixão, apenas incorporamos estruturas e papéis masculinos falidos. No lugar de encorajar todo mundo a ser honesto e aberto na procura do amor, simplesmente fazemos questão de esperar quarenta e cinco minutos antes de responder uma simples mensagem.

Como sair com homens quando você odeia homens: O guia de uma garota hétero para namoro em tempos feministas — Blythe Roberson.​
 
A noite chegava cedo em Manarairema. Mal o sol se afundava atrás da serra — quase que de repente, como caindo — já era hora de acender candeeiros, de recolher bezerros, de se enrolar em xales. A friagem até então contida nos remansos do rio, em fundos de grotas, em porões escuros, ia se espalhando, entrando nas casas, cachorro de nariz suado farejando.

Manarairema ao cair da noite — anúncios, prenúncios, bulícios. Trazidos pelo vento que bate pique nas esquinas, aqueles infalíveis latidos, choros de criança com dor de ouvido, com medo de escuro. Palpites de sapos em conferência, grilos afiando ferros, morcegos costurando a esmo, estendendo panos pretos,
enfeitando o largo para alguma festa soturna. Manarairema vai sofrer a noite.


A hora dos ruminantes - José J. Veiga

Queria dar uma olhada na literatura do Veiga, ia voltar pro já conhecido Sombra..., mas aí o comentário da @Melian noutro tópico e a disponibilidade na biblioteca me fez mudar de ideia. Achei muito bonita a abertura. Tou pilhada :mrpurple:
 
Queria dar uma olhada na literatura do Veiga, ia voltar pro já conhecido Sombra..., mas aí o comentário da @Melian noutro tópico e a disponibilidade na biblioteca me fez mudar de ideia. Achei muito bonita a abertura. Tou pilhada :mrpurple:

Deu até vontade de reler, de tanto que eu adoro A hora dos ruminantes. :grinlove:
 
Manuel Florêncio era uma coceira que Amâncio tinha por dentro. Aquela mania de honesto, de serpalmatória do mundo, de dizer coisas que ninguém gosta de ouvir. Quem ele pensava que era? Secretário de Deus? Fiscal do mundo? Isso ou aquilo, Amâncio tinha de reconhecer que ele sabia pensar certo e agir certo. Manuel nunca entrava em complicações, nunca se alterava, não cultivava ofensas; mostrava o seu desagrado na hora e passava uma esponja. Era por isso que muitos não gostavam dele. Mas bastava alguém se animar muito nas críticas para Amâncio se exaltar na defesa. Quem era melhor do que Manuel Florêncio em Manarairema? Se pisava em algum rabo de vez em quando era porque havia muito rabo espalhado, a culpa era mais dos rabudos. E sabia ser amigo, sempre, em qualquer repuxo. Se não fosse pela amizade de Manuel, era certo que Amâncio estaria morto há muito tempo, em briga ou desastre. No entanto... o que era que ele vinha ganhando? Coices, contravapores. E por que ainda perdia tempo em servir Amâncio? Para ficar credor? E qual a vantagem de ser credor de dívidas que nunca são pagas nem cobradas? Pensando e repensando, Amâncio descobriu que de perto ele detestava Manuel, mas de longe tinha de gostar dele. Depois do almoço a venda foi se enchendo de novo. Cada um chegava com o pretexto de comprar alguma coisa, comprava (ou não comprava) e ficava remanchando, assuntando. Amâncio sabia muito bem o que era que eles queriam, mas se fazia de desentendido.

Mais um pouco de A hora dos ruminantes - José J. Veiga
 
As pessoas ficam me dizendo para fazer ioga. Experimentei uma vez em um lugar aqui da rua. A única parte de que gostei foi no final, quando a professora te cobre com um cobertor e você precisa fingir que está morta por dez minutos.

Departamento de especulação - Jenny Offill.
 
[...] desde aquele dia sentira que por mais que se debatesse, era fraco demais para deter a degradação evidente: não era capaz de resistir à força destruidora-exterminadora das casas, das paredes, das árvores e da terra, da ave que mergulhava do alto e do animal que se arrastava, do corpo, do desejo e da esperança do homem, inutilmente tentaria deter o ataque terrível contra a criação humana, e assim naquele tempo reconhecera que lhe restava opor sua memória à desagregação sinistra e insidiosa [...]. Decidira que observaria tudo com cuidado e, sequencialmente, "documentaria" tudo, esforçando-se para não perder nenhuma minúcia, porque se dera conta de que deixar de observar coisas aparentemente insignificantes era o mesmo que ceder: estamos imobilizados e indefesos entre a desagregação e as "cordas trêmulas" da ponte que nos liga à ordem compreensível; cada pequeno detalhe que acontecesse, fosse ele o "território perdido sobre a mesa" por conta das cinzas de cigarro, a direção de onde vinham gansos selvagens ou ainda a série de gestos humanos sem significado, teria de ser seguido e anotado com uma atenção permanente, e assim poderíamos esperar simplesmente que um dia nós mesmos não nos tornaríamos prisioneiros emudecidos, sem deixar rastros, da ordem satânica, destruidora, em eterna evolução."


Sátántangó -
László Krasznahorkai
 
Estou lendo os seminários do Lacan:

"Os desejos são exilados do campo próprio do homem, se admitir que o homem se identifica a realidade do mestre, eventualmente e mesmo alguma coisa como as perversões. E alias, existe a esse respeito uma concepção singularmente moderna pelo fato que alguma coisa no nosso vocabulário poderia muito bem traduzir-se pelo fato de que o mestre não poderia, ser julgado por isso, o que equivaleria quase a dizer que, no nosso vocabulário, ele não poderia ser reconhecido como responsável. Esses textos merecem ser relembrados. Vocês se esclarecerão ao ai se reportarem.
No oposto dessa tradição filosófica, há alguém que eu gostaria também de nomear aqui, nomear como a meus olhos o percursor dessa alguma coisa que eu creio ser nova, que nos e precise considerar como nova, digamos, no progresso, o sentido de certas relações do homem consigo mesmo, que e o da analise que Freud constitui, e Espinosa, porque apesar de tudo creio que e nele, em todo o caso com um acento bastante excepcional, que se pode ler uma formula como esta: o desejo e a própria essência do homem . Para não isolar o principio da formula de sua continuarão acrescentaremos: Na medida em que ela e concebida a partir de algumas de suas afeições. conhecida como determinada e dominada por qualquer uma de suas afeiçoes adjazer alguma coisa"


Seminário 6-1958-59: O Desejo e sua Interpretação.
 
"— Ela é uma boa menina — comentou Wesley quando chegaram ao turboelevador e o chamaram. — Minha mãe está preocupada com o que vai acontecer com ela — disse ele, suspirando. — A vida é bem complicada, às vezes, não é?
Data encarou-o com sua expressão costumeira de andróide.
— Para os humanos, certamente que sim. — concordou. — Posso apenas invejar-lhes a riqueza de vida. A maior parte do tempo, minha vida parece demasiadamente simples em comparação."
(Jornada Nas Estrelas: Cemitério Espacial - A. C. Crispin)
 

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