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Abertura do conto "Uma alma simples", de Flaubert:
Durante meio século, as burguesas de Port-l'Évêque invejaram a sra. Aubain por causa de sua empregada Felicité.
Cinquenta anos. Esse pessoal não tinha mesmo muito pra fazer.
Como história, não é lá grande coisa, porque justamente vai apontar a regularidade da vida burguesa - toda quinta a visita do fulano, todo mês blábláblá, e aí alguns acontecimentos ali no meio que vão trazer alguma comoção pontual à história.Fiquei interessado em ler esse do Flaubert, desde que li "Uma Vida em Segredo", do Autran Dourado, e vi por aí algumas comparações. Depois me conta o que achou desse texto do Flaubert, @Molly Bloom ?
VLADIMIR: Ah, é, os dois ladrões. Você se lembra da história?
ESTRAGON: Não.
VLADIMIR: Quer que eu conte?
ESTRAGON: Não.
VLADIMIR: Ajuda a passar o tempo. (Pausa) Dois ladrões, crucificados lado a lado com o nosso Salvador. Um deles…
ESTRAGON: Nosso quê?
VLADIMIR: Nosso Salvador. Dois ladrões. Dizem que um deles se salvou e outro… (Busca o contrário de “salvar-se”) se perdeu.
ESTRAGON: Se salvou do quê?
VLADIMIR: Do inferno.
ESTRAGON: Vou embora. (Ele não se move).
VLADIMIR: E no entanto… (Pausa) Como é que… não estou te enchendo, tô?
ESTRAGON: Não estou ouvindo.
VLADIMIR: Como é possível que, dos quatro evangelistas, só um fale em ladrão salvo? Todos os quatro estavam lá – ou por perto – e apenas um fala em ladrão salvo. (Pausa) Vamos lá, Gogô, minha deixa, não custa, uma vez em mil…
ESTRAGON: Estou ouvindo.
VLADIMIR: Um em quatro. Dos outros três, dois nem falam disso e o terceiro diz que eles o xingaram, os dois.
ESTRAGON: Quem?
VLADIMIR: O quê?
ESTRAGON: Que confusão! (Pausa) Xingaram quem?
VLADIMIR: O Salvador.
ESTRAGON: Por quê?
VLADIMIR: Porque não quis salvá-los.
ESTRAGON: Do inferno?
VLADIMIR: Não, tonto. Da morte.
ESTRAGON: E daí?
VLADIMIR: Então os dois devem ter ido pro inferno.
ESTRAGON: E então?
VLADIMIR: Mas um dos quatro diz que um foi salvo.
ESTRAGON: E daí? Não chegaram a um acordo e ponto.
VLADIMIR: Todos os quatro estavam lá. E só um fala em ladrão salvo. Por que acreditar nele e não nos outros?
ESTRAGON: Quem acredita nele?
VLADIMIR: Todo mundo. Foi a versão que vingou.
ESTRAGON: O povo é de uma burrice.
Como história, não é lá grande coisa, porque justamente vai apontar a regularidade da vida burguesa - toda quinta a visita do fulano, todo mês blábláblá, e aí alguns acontecimentos ali no meio que vão trazer alguma comoção pontual à história.
O que acompanhamos em meio a isso é a trajetória da Felicité, que é para onde aponta a câmera do autor em 3ª e é a pessoa de classe baixa a viver com essa senhora em condições que eu diria análogas à escravidão; no entanto, ela sempre faz tudo com muito empenho, se dedica às atividades e aos cuidados, uma "alma simples", em suma.
Antes de estar nessa casa, ela sofre de uma desilusão amorosa na juventude (se apaixona por um cara que primeiro tenta estuprá-la) e, depois disso, vai procurar o trabalho, a partir daí passa a se apegar a várias coisas que circulam nessa casa, mas nada é dela efetivamente. Isso só pode dar em pizza.
Como o meu intuito era o contato mesmo com a literatura do Flaubert, o conto foi bom, porque justamente mostra o narrador distanciado do objeto (tem gente que chama de oculto) que vai mostrando o cotidiano sensabor da burguesia. Também dá pra ver o poder de condensação do escritor que é absurdo.
Queria dar uma olhada na literatura do Veiga, ia voltar pro já conhecido Sombra..., mas aí o comentário da @Melian noutro tópico e a disponibilidade na biblioteca me fez mudar de ideia. Achei muito bonita a abertura. Tou pilhada