Eu queria deixar aqui, um trecho da distopia “Admirável Mundo Novo” do Aldous Huxley. Grande obra.
Nela o mundo no futuro é um mundo “diferente” (mais ou menos, Huxley previu muita coisa). As pessoas não nascem, mas são decantadas por bocais, onde 1 único embrião é submetido a choques, tremedeiras, diferentes temperaturas e pressões para ir se multiplicar em centenas de gêmeos iguais. As pessoas são fabricadas de acordo com a necessidade de funções vagas. Depois as pessoas passam por condicionamento para adorar suas funções. Todos os ambientes são controlados pelo Estado, com perfumes e música, de modo que todos estão sempre felizes. Há algumas drogas também que as pessoas devem tomar sempre, para se manterem mansas e nunca se rebelarem contra o sistema, a principal delas é o soma.
Nesse mundo (tempo), Deus é substituído por Henrique Ford (o Senhor, “Lord” vira Ford), e textos antigos são proibidos ao povo. Para essa nova ordem controladora do Estado funcionar, o povo não pode ler livros religiosos, não pode ter acesso a arte, nem a ciência. A arte nesse mundo se transforma inteiramente em filmes sinestésicos que não passam mensagem nenhuma, apenas sensações prazerosas a quem assiste. A ciência é bem regulada, novas descobertas não são informadas à população a não ser que ela se adeque 100% ao sistema do Estado.
Nesse mundo todo mundo é de todos. O sexo é liberado e muito estimulado. As emoções/vínculos são super reprimidos, não se pode namorar ninguém por mais de 3 meses, é perigoso. É preciso estar sempre trocando de parceiras/parceiros.
Não existem pais, nem mães, como disse as pessoas não nascem, mas são decantadas em bocais. O Estado cuida da educação e condicionamento de todas as crianças.
Inclusive, as crianças aprendem jogos sexuais desde a mais tenra idade, para serem condicionados a promiscuidade, e se alguma criança não quiser brincar nu de jogos com as amiguinhas/amiguinhos vai para a diretoria da escola, porque certamente tem algo errado com essa criança. Vejam só!
As pessoas são divididas em castas, pois elas são fabricadas (decantadas) de acordo com as funções disponíveis. Então se precisam de líderes, decantam Alfa-Mais, se precisam de operários decantam Delta-Menos e por aí vai.
Os decantados são condicionados a amar suas funções de modo que são incapazes de serem felizes sem se ocuparem de suas funções, são condicionados ao sexo livre, à promiscuidade. Ignoram Deus, a arte e a ciência. Todos os seus gozos são satisfeitos. Não há nada desagradável, não há mosquitos, não há doenças. Não há velhice. Pessoas vivem 70 anos com corpos de 30 anos. São condicionadas à aceitar a morte sem tristeza, sem perda, como se simplesmente tivessem apagado um interruptor. Bastava decantar outro Gama-Menos e qualquer um poderia ser facilmente ser substituído. Não há necessidade de lamentação.
E as pessoas não tem livre-arbítrio, não saberiam o que fazer com isso. Só podem ser felizes dentro do condicionamento delas. O livro cita uma função que é preciso ser feita de cabeça para baixo, então quem vai fazer aquela função é condicionado a tal forma que a pessoa só se sente bem se estiver de cabeça para baixo. Imaginem só…
No livro, um selvagem (alguém não civilizado, alguém que nasceu e não foi decantado, alguém que leu e fala muito em Shakespeare, que acredita em Deus, etc) entra em contato com o mundo civilizado e num determinado momento questiona a principal autoridade do mundo civilizado, a vossa Fordeza, o sr Mustafá Mond. Tem vários diálogos deles dois muito bons. Vou colocar um:
Diz Mustafá: “- (…) Todos os efeitos tônicos de assassinar Desdêmona e de ser assassinada por Otelo, sem nenhum dos inconvenientes.”
- Mas eu gosto dos inconvenientes. - Diz o selvagem.
- Nós não. Preferimos fazer as coisas confortavelmente. - Diz vossa Fordeza
- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado.
- Em suma- disse Mustafá Mond - , o senhor reclama o direito de ser infeliz.
-Pois bem, seja - retrucou o Selvagem em tom de desafio. - Eu reclamo o direito de ser infeliz.
- Sem falar no direito de ficar velho, feio e impotente; no direito de ter sífilis e câncer; no direito de não ter quase nada que comer; no direito de ter piolhos; no direito de viver com a apreensão constante do que poderá acontecer amanhã; no direito de contrair febre tifoide; no direito de ser torturado por dores indizíveis de toda espécie.
Houve um longo silêncio.
- Eu os reclamo todos- disse finalmente o Selvagem.
Mustafá Mond deu de ombros.
- À vontade - respondeu.”
Uma obra magnífica. Vale a pena ser lida e relida de tempos em tempos.