Textão, pra quem tiver saco e interesse.
Resumo, no meu parco entendimento:
1) O grampeado era Lula e a gravação com Dilma foi um encontro fortuito (serendipidade) de possível evidência de obstrução da Justiça. O argumento citado acima, do jurista Pedro Serrano parece estranho, pq diz que Moro não tinha competência para interceptar as ligações da presidente, mas ele estava interceptando as ligações de Lula, então parece que esse ponto estava dentro das competência de Moro.
2) A evidência que foi encontrada contra Dilma deve e será ser julgada pelo STF - está naturalmente fora das mãos de Moro.
3) Sobre a divulgação dos áudios: Diz o artigo que a suspensão do sigilo é da competência do juiz Moro e o que ele deveria ter feito (e aparentemente fez) foi enviar os áudios para o STF, já que envolviam a participação da presidente. O professor de direito João Lopes cita
uma lei, mas na lei eu não vi nada sobre a divulgação de áudios - a lei fala apenas sobre as regras para interceptação telefônica, o que não é um problema pelo argumento de encontro fortuito de provas.
Eu sei que tem uma zoeira recorrente de que todos de repente viraram especialistas em direito, mas eu acho isso uma babaquice. Todo mundo tem o direito de se informar da melhor forma possível. Até onde eu entendi, a divulgação não foi um ato ilegal, mas talvez eticamente questionável.
Segue o artigo:
Moro não cometeu nenhuma ilegalidade
Publicado 21 de Março, 2016
Crédito @Fotolia/Jotajornalismo
Por Fábio Theophilo Advogado e jurista brasileiro/canadense, mestre em direito pela Western University - Canadá
Juiz Sérgio Moro acertou em todas as decisões – autorização de escuta telefônica, levantamento do sigilo do processo com a divulgação dos áudios e remessa ao STF
A palavra é: SERENDIPIDADE
O que é serendipidade?
Serendipidade é o encontro fortuito de provas em interceptação telefônica ou busca e apreensão.
Reproduzo artigo excelente de Geordan Rodrigues publicado no site âmbito jurídico[1] que explica de forma didática um caso concreto de serendipidade:
“3. Caso ‘’Hércules Club de Fútbol’’
Um dos casos mais intrigantes nos últimos anos relacionados com a serendipidade (encontro casual ou fortuito, durante uma interceptação telefônica, de algo – de outro crime – que não se procurava) ocorreu no mundo do futebol, na Espanha: o “dono” do time Hércules, de Alicante (Espanha), que alcançou a primeira divisão em meados de 2010, estava sendo investigado por corrupção no caso Brugal. Trata-se de um empresário envolvido num rumoroso caso de corrupção vinculada ao recolhimento do lixo na cidade de Vega Baja (Alicante).
A investigação teve início em maio de 2007 e durante as interceptações telefônicas o citado empresário, dentre tantas outras revelações, contou que corrompeu o goleiro de uma equipe (ao que tudo indica do Córdoba), dando-lhe 100 mil euros para facilitar os gols do seu clube (que venceu o jogo por 4×0) e subiu para a primeira divisão. O encontro (“El hallazgo”) foi casual porque não se investigava nada a respeito dessa infração.
O juiz do caso (José Luis de la Fuente – titular do juizado de instrução número 7 de Alicante) negou o pedido do Ministério Público que pedia o envio das gravações (clandestinas, porque o escândalo do futebol não estava sob investigação) para a Federação Espanhola de Futebol assim como para o Conselho Superior de Esportes.
Sua fundamentação: “a entrega dessas gravações constituiria uma intromissão – indevida – na intimidade e violaria o segredo das comunicações”. O achado foi casual (“el hallazgo de estas conversaciones fue casual”). Investigavam-se os delitos de concussão, fraude e tráfico de influências.
Com eles o “achado” não tem nenhum tipo de conexão, ou seja, a infração encontrada por acaso não está na mesma situação histórica de vida do delito investigado – historischen Lebenssachverhalt. O fato achado por acaso não tem nenhuma ligação histórica com o fato investigado. Nesse caso a revelação não tem nenhum valor jurídico e a interceptação telefônica não serve de fonte de prova.
Entretanto, se adequando perfeitamente a serendipidade de segundo grau serviria como “notitia criminis”. Contra a decisão do juiz de primeiro grau houve recurso para a Audiência Provincial de Alicante (equivalente ao nosso Tribunal de Justiça), que não deu provimento ao recurso do Ministério Público – ou seja: confirmou a decisão denegatória de primeira instância. Fundamentação: “Não é possível remeter o conteúdo das conversações interceptadas ao organismo administrativo (Federação Espanhola de Futebol) porque as conversações detectadas não estão amparadas pela autorização judicial que permitiu as escutas que foram gravadas. Essas conversações nem sequer deveriam ter entrado nos autos do processo em que foram descobertas porque, ao não ter nenhuma relação com o objeto da investigação e carecer totalmente de transcendência penal, deveriam ter sido rechaçadas.”
Ou seja, o empresário era investigado por crime de corrupção na prestação de serviço de recolhimento de lixo em determinada cidade e, durante a escuta telefônica autorizada pela justiça, descobriu-se o crime de pagamento de propina a um atleta para beneficiar o clube cujo empresário investigado era o mesmo dono, e que culminou com o fato de que seu clube ganhar a partida por 4 a 0 e naquele ano subir de divisão.
Geordan Rodrigues no mesmo artigo, explicita o que seja serendipidade de primeiro grau e serendipidade de segundo grau:
“2. Primeiro e segundo grau
É de suma importância para avaliar a prova e determinar sua validade a delimitação do grau de conexão necessário. Por isso a motivação ou fundamentação da medida cautelar de interceptação telefônica é extremamente relevante, pois nela é que vai vir descrito a situação objeto da investigação, bem como o sujeito passivo. E vai servir de parâmetro para esse “controle de relacionalidade”.
Portanto, se o fato não é conexo ou versa sobre outra pessoa – que não tem vínculo com os fatos investigados –, não poderá valer como prova, podendo somente, servir como fonte de prova (notitia criminis) para fundamentar uma nova investigação.
Logo, evidencia-se duas hipóteses de serendipidade: encontro fortuito de fatos conexos (primeiro grau); encontro fortuito de fatos não conexos (segundo grau), mera notitia criminis.
A prova que tem valor jurídico e deve ser analisada pelo juiz como prova válida é a obtida na serendipidade de primeiro grau, pois os fatos são conexos àqueles investigados preliminarmente, podendo conduzir a uma condenação penal. Já a prova obtida mediante serendipidade de segundo grau será apenas uma fonte para uma nova investigação e, por si só, não gerará uma condenação criminal.”
Pergunta-se: Qual a relação (conexão) entre a prova encontrada de forma fortuita (o crime de pagamento de propina a um atleta para beneficiar o clube do qual era dono) com o crime pelo qual o mesmo empresário era investigado (corrupção na prestação de serviço de recolhimento de lixo em determinada cidade)?
Quem valora isso é o Juiz Criminal, e no caso da Espanha temos um caso de não conexão dos fatos – e pessoas totalmente diferentes na investigação. Temos uma serendipidade de segundo grau e o crime descoberto é mera notitia criminis.
A prova colhida fortuitamente, escuta telefônica, decidiu o Juiz e a Corte de segundo grau – é prova ilegítima a ser apresentada na Corte Desportiva da Espanha que iria avaliar o crime de corrupção no futebol.
LULA – acusações – Resumo
Lula é investigado na Lava-Jato. Pesa sobre ele indícios e até com fartas provas de ocultação de patrimônio através de interposta pessoa – famoso “laranja”, e recebimento de vantagem indevida das empreiteiras que se beneficiaram de contratos com a Petrobrás.
Essa vantagem indevida se dava através de obras, reformas em propriedades de interpostas pessoas, mas que na realidade pertenciam a Lula.
Pesa ainda contra ele a acusação de obstrução à justiça, através das provas trazidas pelo Senador Delcídio do Amaral em sua delação premiada, que disse que o mandante do acerto com o filho de Nestor Cerveró, para que este não formalizasse o acordo de delação premiada, teria sido o próprio Lula.
Essas são as acusações contra Lula. Para robustecer as provas, o Juiz Sérgio Moro autorizou escutas telefônicas de Lula – ele possui competência para isso pois Lula ainda não possui foro privilegiado.
Tudo perfeitamente normal dentro da ordem jurídica e constitucional.
CONVERSA LULA E DILMA – Serendipidade de primeiro grau
O que vemos no caso conreto é uma conversa de Dilma e Lula ao telefone – devidamente autorizado pelo juiz de primeira instância.
Nessa conversa – Dilma categoricamente demonstra animus de beneficiar Lula com a indicação ao cargo de ministro, diante do quadro de agravamento deste diante das investigações da Lava-Jato.
O que importa dizer aqui é que Lula é investigado por obstrução à Justiça – segundo Delcídio que foi partícipe nesse crime como executor e esteve preso (Lula era o mandante).
Temos uma serendipidade ou encontro fortuito de prova em interceptação telefônica – de que Dilma também deseja tirar Lula do foco das investigações ao nomeá-lo Ministro. Este passaria a ter foro privilegiado e teria que ser julgado no Supremo Tribunal Federal – STF.
Poderia-se dizer que houve obstrução à justiça por parte de Dilma? Sim e não. Quem decidirá será o Juiz, no caso o Ministro Teori, do STF, que é quem tem competência para julgar Dilma, pois ela possui prerrogativa de foro. Ele vai decidir se ela cometeu ou não o crime de obstrução à Justiça.
Ocorre que esses fatos são correlatos – há conexão – das acusações a Lula de obstrução da Justiça com o que se ouviu de Dilma. Agora Dilma se encontra na mesma situação e passará a investigada, sendo que será processada e julgada.
Essa é uma Serendipidade de primeiro grau, onde ambos poderão/deverão ser investigados, processados e julgados pelo STF por possuirem prerrogativa de foro (isso se tal nomeação de Lula para ministro não for barrada pela Justiça).
CONVERSA LULA E DILMA – prerrogativa de foro
Baseamos nosso entemdimento na própria defesa de Demóstenes Torres em caso similar[2]. Na defesa do ex-senador encontramos:
“76. Uma vez verificados fatos investigados sobre pessoa com prerrogativa de foro, “os autos deverão ser imediatamente encaminhados para a autoridade judiciária competente”, no dizer do Professor César Dario Mariano.
- Assim, a decisão de primeira instância é válida se “até então” “não havia indício da participação ativa e concreta de qualquer agente político” que possua foro por prerrogativa. Ao surgirem novos fatos, acarretando alteração do quadro probatório, a autoridade deve declinar de sua competência.
- 78. É uníssono, seja na doutrina, seja na jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que os autos devem ser imediatamente enviados à Corte logo que for descoberto qualquer indício contra detentor de foro. A investigação deve ser enviada em sua integralidade, cabendo ao Supremo, se assim o fizer, desmembrar o feito por ausência de conexão ou por número de réus.”
Acima, destacado, vemos que com a prova encontrada de forma fortuita em gravações telefônicas autorizadas pela justiça – conversa de Lula (sem foro privilegiado até então) com Dilma (que possui foro privilegiado), o Juiz ao tomar conhecimento dessa situação – determinou sua remessa ao STF.
A prova foi encontrada de forma fortuita (sem querer), pois o celular “grampeado” foi o de Lula, e não o de Dilma. E nada de ilegal há nessa autorização pois Lula não possui foro privilegiado até agora, pelo menos.
Portanto a decisão do Juiz Sérgio Moro foi absolutamente acertada.
CONVERSA LULA E DILMA – Segredo de Justiça
Sobre o levantamento do Segredo de Justiça, não pairam dúvidas de que quem decide é o Juiz Criminal se assim o entender.
O processo e suas provas podem se tornar públicos se assim entender o Juiz Criminal e se o mesmo processo estava em segredo de justiça para preservar as provas e/ou sua “colheita”/produção.
Lula era o investigado – e no meio do caminho (das interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça) aparece um prova encontrada de forma fortuita (sem querer) contra a:
- a) Presidente da República, que detém foro privilegiado;
- b) Em potencial crime conexo com o do investigado em serendipidade de primeiro grau – obstrução da Justiça;
O que tinha que fazer o Juiz Criminal?
No caso concreto, ele entendeu que deveria levantar o sigilo e tornar público os áudios onde se encontra a conversa entre Lula e Dilma, esta em aparente conluio de alterar o foro competente, para se investigar, processar e julgar o ex-presidente.
Isso antes de determinar a remessa do processo ao STF e antes que Lula assumisse o cargo de ministro.
O Juiz criminal de primeiro grau possui legítimidade e competência para a decisão tomada de abrir o sigilo do processo e tornar os áudios públicos.
O Juiz criminal de primeiro grau não cometeu nenhum ilícito ao abrir o sigilo do processo, o que é perfeitamente legal.
O Juiz criminal determinou a remessa dos autos ao STF, posto que houve prova encontrada de forma fortuita contra agente que detém prerrogativa de foro – de sorte que este agente pode e deve ser investigado pela Corte Suprema.
Profundo conhecedor do Direito Penal e Processual Penal, o Dr. Sérgio Moro agiu dentro de suas prerrogativas e limites constitucionais e dentro do que autoriza a lei penal e processual penal. O resto mais é “cortina de fumaça” para confundir a opinião pública.
DESBODRAMENTOS
Bastante simples. Caso Lula não seja barrado e possa assumir o posto de Ministro – e isso é assunto para um outro estudo/artigo, ele deverá responder pelas inputações que lhe são impostas no STF, porque terá foro privilegiado na condição de Ministro.
O mesmo se dá em relação à Presidente Dilma, que deverá, agora sim, responder pela mesma imputação no STF, pois já possui foro privilegiado.
Caso Lula seja impedido de assumir a “pasta”, o processo contra ele permanece em Curitiba e o Juiz Criminal Sérgio Moro é quem terá competência para processá-lo e julgá-lo.
Nesse caso Lula seria processado e julgado em Curitiba na Vara Federal Criminal e Dilma será, de qualquer maneira, processada e julgada pelo STF.
Por fim, a prova obtida ainda que fortuitamente (sem querer) – escuta telefônica entre Lula e Dilma – é perfeitamente válida (e hígida[3] como gostam de dizer os advogados em juridiquês) e pode e deve ser usada pelo STF (e também pela Vara Federal Criminal de Curitiba, se for o caso) como elemento de convencimento do(s) magistrado(s).
Fábio Theophilo, advogado e jurista brasileiro/canadense, mestre em direito pela Western University – Canadá
[1]
http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14584
[2]
http://nilotavar.blogspot.com/2012/03/excelentissimo-senhor-presidente-do.html
[3] hígido
adjetivo
- 1.
que diz respeito à saúde; salutar.
- 2.
que goza de perfeita saúde; sadio, são.