Fúria da cidade
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'Sextou', 'Lulazord' e mais. Por que os candidatos estão apelando aos memes
No dia 10 de agosto, uma sexta-feira, Henrique Meirelles, candidato do MDB à Presidência, já anunciava a chegada do fim de semana com um gif em seu Twitter: "#sextou !".
Três dias depois, foi a vez de Kátia Abreu, candidata à vice na chapa de Ciro Gomes (PDT), após a polêmica do Photoshop, brincar com uma montagem da sua foto oficial de campanha com a cantora Pabllo Vittar. Na mesma linha seguiram Manuela D'ávila (PCdoB), provável vice na chapa encabeçada pelo PT, ao publicar o "Lulazord", e Álvaro Dias, presidenciável do Podemos, comparando-se ao personagem Coringa, antagonista do Batman.
O UOL conversou com três especialistas em marketing político para explicar os motivos que levam os candidatos a apelar para o humor nas redes sociais. Eles avaliam a quebra de formalidade como um ponto positivo na estratégia dos presidenciáveis, mas alertam para o perigo de se ultrapassar a seriedade exigida para o cargo.
Busca pela linguagem informal
Quanto menos politizada e formal for a comunicação, mais bem compreendido o candidato será pelos usuários. Essa é a análise de Fábio Malini, professor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e pesquisador da Comunicação Política e Redes Sociais, sobre por que os candidatos buscam passar uma imagem mais divertida nas redes.
Ele explica que há estudos de pesquisadores que revelam a relação entre a linguagem e a renda das pessoas: quanto mais a pessoa domina a linguagem formal, mais ela tende a falar, entender e acompanhar temas mais sérios como política e economia. E, segundo o docente, essa não é a realidade da maioria da população brasileira, inclusive na internet, de quem os candidatos tentam se aproximar para ganhar uma eleição.
Reprodução/Facebook Time Ciro Gomes
Meme de Ciro Gomes (PDT) divulgado por sua militância no Facebook
"Se a gente comparar essas pessoas [mais cultas] com a população geral do Brasil, vamos perceber que a linguagem da maioria da sociedade brasileira é mais informal, em que você não tem um número grande de orações e caracteres. A linguagem 'memética' [por memes] faz mais parte desse universo", explica Malini, que também é coordenador do Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura), um projeto da UFES.
Ele lembra que, na web, os alvos dos políticos são dois extremos: jovens e idosos. "A população mais jovem, de 18 a 24 anos, é a que tem mais tempo para viralizar um conteúdo. São pessoas que estão 'no sofá' que fazem esse tema viralizar na rede, e o meme faz parte dessa linguagem. [Os candidatos] também [querem] alcançar a população que está no outro extremo, mais idosa, que também tem esse tempo".
Segundo Malini, a linguagem informal transforma candidatos "mais sérios" e "pesados" em personagens mais leves. Como exemplo, ele cita os memes produzidos pela militância de Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência, no Facebook.
"Ciro gerou um ecossistema de 'Zueira Pró', canais nas redes que publicam postagens a favor de determinada candidatura. Na primeira semana pós-debate [da Band, em 9 de agosto], ele foi muito beneficiado com os memes da 'Ursal', a questão do SPC, porque primeiro virou chacota e depois as pessoas perceberam que isso poderia ser tomado de maneira séria. Aquele candidato mais sisudo, mais pesado, numa versão mais 'moleque travesso'", diz o especialista, ressaltando que a nova geração de marqueteiros está mais preparada para usar o tom mais leve dos candidatos.
Quem também se enquadra nessa situação é Henrique Meirelles. Entre os candidatos à Presidência, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central é quem mais tem apelado a uma linguagem informal, com direito a gifs, memes e referências 'geek'.
"É um cultivo de audiência que vai se consolidando. Meirelles tem até outubro para cultivar esse público. [O vice de Lula, Fernando] Haddad e Ciro já possuem memes e gifs rodando a internet há muito tempo, isso ajuda muito", pontua.
O limite do humor
Essa linguagem pode ser importante para estreitar um laço com um público potencial, mas, segundo Luiz Radfahrer, professor de Marketing Político da USP (Universidade de São Paulo), nessa situação há uma "borragem" da fronteira entre o que é sério e o que pode ser brincado.
Para Radfahrer, um candidato à Presidência utilizar essa comunicação em excesso e com assuntos mais sérios é uma ação "perigosa". "Em uma época que a gente fala que as instituições têm problema de seriedade, é perigoso. O problema não é utilizar memes, mas tem que pensar que ser presidente é uma função séria, que é o rumo de um país. O humor é o tom adequado?", questiona.
"Para falar com a população desse jeito, você se apresenta de uma forma que irão demandar que você mantenha se for eleito. E como você vai legislar um país com essa forma de comunicação? É como se Michel Temer, no meio da crise dos caminhoneiros, publicasse uma foto vestido de vampiro", explica, referindo-se a uma fantasia da escola de samba Paraíso do Tuiuti que satirizava o presidente Temer no carnaval do Rio deste ano.
Emmanuel Publio Dias, professor da ESPM e especialista em Marketing Político, minimiza esse contexto e analisa apenas como uma adaptação de linguagem para uma determinada plataforma. "Essa é a linguagem do meio, o meio é mensagem, não vejo Meirelles de óculos escuro num debate. Ou a Manuela [D'Ávila], por mais que seja uma pessoa mais despojada, se for falar da prisão do Lula, ela não vai fazer piada. É uma coisa episódica."
Para Publio Dias, que já trabalhou em campanhas eleitorais, "não é uma estratégia, é um simples aproveitamento de oportunidade. Estratégia é uma fase que você define o objetivo e vai atrás dele, não vi em nenhum candidato. Tiririca tinha uma estratégia de ser o palhaço da eleição e ele fez isso a campanha toda. O público das redes sociais ainda não representa o eleitorado brasileiro."
Feitiço pode virar contra o feiticeiro?
Questionados sobre se o meme pode acabar prejudicando a imagem do candidato, os especialistas divergem.
Fábio Malini diz que "no primeiro momento pode soar como oportunismo, mas se isso for contínuo na campanha deles, mesmos nas campanhas mais sérias, o público passa a acompanhar esse candidato". Para o docente, "isso tem um impacto real na vida do político, ele se humaniza mais."
Luiz Radfahrer discorda e analisa que o tiro pode, sim, sair pela culatra. "Não é decisão deles [dos candidatos], é decisão do marqueteiro que apresentou uma estratégia e ele [candidato] não vetou".
Ele exemplificou. "Imagina o [candidato do PSDB, Geraldo] Alckmin fazendo uma piadinha fora de contexto e que pode ser interpretada como preconceito? Cai na mão do [candidato do PSL, Jair] Bolsonaro e ele monta a cavalo. Agora, para políticos que têm mais familiaridade com o meio, como Manuela D'ávila e Haddad, essa probabilidade de erro é pequena".
A atenção que é dada às redes sociais pela mídia, ainda segundo Radfahrer, é excessiva, já que uma enorme fatia do eleitorado brasileiro conhece seus candidatos pela propaganda política na televisão. "Todos os dias em todos jornais tem alguma menção de que alguém fez algo na mídia social. E as redes sociais só falam com a metade da população, quem fala com esses outros?", questiona.
No dia 10 de agosto, uma sexta-feira, Henrique Meirelles, candidato do MDB à Presidência, já anunciava a chegada do fim de semana com um gif em seu Twitter: "#sextou !".
Três dias depois, foi a vez de Kátia Abreu, candidata à vice na chapa de Ciro Gomes (PDT), após a polêmica do Photoshop, brincar com uma montagem da sua foto oficial de campanha com a cantora Pabllo Vittar. Na mesma linha seguiram Manuela D'ávila (PCdoB), provável vice na chapa encabeçada pelo PT, ao publicar o "Lulazord", e Álvaro Dias, presidenciável do Podemos, comparando-se ao personagem Coringa, antagonista do Batman.
O UOL conversou com três especialistas em marketing político para explicar os motivos que levam os candidatos a apelar para o humor nas redes sociais. Eles avaliam a quebra de formalidade como um ponto positivo na estratégia dos presidenciáveis, mas alertam para o perigo de se ultrapassar a seriedade exigida para o cargo.
Busca pela linguagem informal
Quanto menos politizada e formal for a comunicação, mais bem compreendido o candidato será pelos usuários. Essa é a análise de Fábio Malini, professor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e pesquisador da Comunicação Política e Redes Sociais, sobre por que os candidatos buscam passar uma imagem mais divertida nas redes.
Ele explica que há estudos de pesquisadores que revelam a relação entre a linguagem e a renda das pessoas: quanto mais a pessoa domina a linguagem formal, mais ela tende a falar, entender e acompanhar temas mais sérios como política e economia. E, segundo o docente, essa não é a realidade da maioria da população brasileira, inclusive na internet, de quem os candidatos tentam se aproximar para ganhar uma eleição.
Reprodução/Facebook Time Ciro Gomes
Meme de Ciro Gomes (PDT) divulgado por sua militância no Facebook
"Se a gente comparar essas pessoas [mais cultas] com a população geral do Brasil, vamos perceber que a linguagem da maioria da sociedade brasileira é mais informal, em que você não tem um número grande de orações e caracteres. A linguagem 'memética' [por memes] faz mais parte desse universo", explica Malini, que também é coordenador do Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura), um projeto da UFES.
Ele lembra que, na web, os alvos dos políticos são dois extremos: jovens e idosos. "A população mais jovem, de 18 a 24 anos, é a que tem mais tempo para viralizar um conteúdo. São pessoas que estão 'no sofá' que fazem esse tema viralizar na rede, e o meme faz parte dessa linguagem. [Os candidatos] também [querem] alcançar a população que está no outro extremo, mais idosa, que também tem esse tempo".
Segundo Malini, a linguagem informal transforma candidatos "mais sérios" e "pesados" em personagens mais leves. Como exemplo, ele cita os memes produzidos pela militância de Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência, no Facebook.
"Ciro gerou um ecossistema de 'Zueira Pró', canais nas redes que publicam postagens a favor de determinada candidatura. Na primeira semana pós-debate [da Band, em 9 de agosto], ele foi muito beneficiado com os memes da 'Ursal', a questão do SPC, porque primeiro virou chacota e depois as pessoas perceberam que isso poderia ser tomado de maneira séria. Aquele candidato mais sisudo, mais pesado, numa versão mais 'moleque travesso'", diz o especialista, ressaltando que a nova geração de marqueteiros está mais preparada para usar o tom mais leve dos candidatos.
Quem também se enquadra nessa situação é Henrique Meirelles. Entre os candidatos à Presidência, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central é quem mais tem apelado a uma linguagem informal, com direito a gifs, memes e referências 'geek'.
"É um cultivo de audiência que vai se consolidando. Meirelles tem até outubro para cultivar esse público. [O vice de Lula, Fernando] Haddad e Ciro já possuem memes e gifs rodando a internet há muito tempo, isso ajuda muito", pontua.
O limite do humor
Essa linguagem pode ser importante para estreitar um laço com um público potencial, mas, segundo Luiz Radfahrer, professor de Marketing Político da USP (Universidade de São Paulo), nessa situação há uma "borragem" da fronteira entre o que é sério e o que pode ser brincado.
Para Radfahrer, um candidato à Presidência utilizar essa comunicação em excesso e com assuntos mais sérios é uma ação "perigosa". "Em uma época que a gente fala que as instituições têm problema de seriedade, é perigoso. O problema não é utilizar memes, mas tem que pensar que ser presidente é uma função séria, que é o rumo de um país. O humor é o tom adequado?", questiona.
"Para falar com a população desse jeito, você se apresenta de uma forma que irão demandar que você mantenha se for eleito. E como você vai legislar um país com essa forma de comunicação? É como se Michel Temer, no meio da crise dos caminhoneiros, publicasse uma foto vestido de vampiro", explica, referindo-se a uma fantasia da escola de samba Paraíso do Tuiuti que satirizava o presidente Temer no carnaval do Rio deste ano.
Emmanuel Publio Dias, professor da ESPM e especialista em Marketing Político, minimiza esse contexto e analisa apenas como uma adaptação de linguagem para uma determinada plataforma. "Essa é a linguagem do meio, o meio é mensagem, não vejo Meirelles de óculos escuro num debate. Ou a Manuela [D'Ávila], por mais que seja uma pessoa mais despojada, se for falar da prisão do Lula, ela não vai fazer piada. É uma coisa episódica."
Para Publio Dias, que já trabalhou em campanhas eleitorais, "não é uma estratégia, é um simples aproveitamento de oportunidade. Estratégia é uma fase que você define o objetivo e vai atrás dele, não vi em nenhum candidato. Tiririca tinha uma estratégia de ser o palhaço da eleição e ele fez isso a campanha toda. O público das redes sociais ainda não representa o eleitorado brasileiro."
Feitiço pode virar contra o feiticeiro?
Questionados sobre se o meme pode acabar prejudicando a imagem do candidato, os especialistas divergem.
Fábio Malini diz que "no primeiro momento pode soar como oportunismo, mas se isso for contínuo na campanha deles, mesmos nas campanhas mais sérias, o público passa a acompanhar esse candidato". Para o docente, "isso tem um impacto real na vida do político, ele se humaniza mais."
Luiz Radfahrer discorda e analisa que o tiro pode, sim, sair pela culatra. "Não é decisão deles [dos candidatos], é decisão do marqueteiro que apresentou uma estratégia e ele [candidato] não vetou".
Ele exemplificou. "Imagina o [candidato do PSDB, Geraldo] Alckmin fazendo uma piadinha fora de contexto e que pode ser interpretada como preconceito? Cai na mão do [candidato do PSL, Jair] Bolsonaro e ele monta a cavalo. Agora, para políticos que têm mais familiaridade com o meio, como Manuela D'ávila e Haddad, essa probabilidade de erro é pequena".
A atenção que é dada às redes sociais pela mídia, ainda segundo Radfahrer, é excessiva, já que uma enorme fatia do eleitorado brasileiro conhece seus candidatos pela propaganda política na televisão. "Todos os dias em todos jornais tem alguma menção de que alguém fez algo na mídia social. E as redes sociais só falam com a metade da população, quem fala com esses outros?", questiona.