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Autor da Semana John Fante

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  • Data de Criação Data de Criação

Cantona

Tudo é História
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John Fante
(08.04.1909 - 08.05.1983)


Primeiro, antes de Fante, temos que dar uma olhada do outo lado do Atlântico, passar os olhos pela Europa redesenhada geopoliticamente no pós Primeira Guerra. Entre seus oito milhões de mortos e vinte e um milhões de mutilados, o confronto eliminou quatro dos antigos impérios do continente, transformando-o, segundo um mano theco, em “um laboratório em coma de um cemitério”. Com o espaço geográfico traçado a régua, os sistemas político-econômicos, de democracia liberal, comunismo soviético e nazifascismo disputavam a supremacia por aquelas bandas. Na refrega, a ideia liberal foi a primeira a ser golpeada, vendo a “mão invisível” do mercado revelar-se insustentável. Em países dizimados pelo conflito, os autoritarismos com vieses fascistas respondiam as demandas no curto prazo, à medida que traziam às massas alento para a miséria de todos os dias, bem como sustentavam as elites num panorama de ordem, onde os conflitos sociais eram mitigados. A crise de 29 foi a pá de cal e uma boa parte do mundo, então, viu no comunismo soviético uma frente de combate ao avanço autoritário de Mussolini e Hitler. Nos Estados Unidos, cambaleante o liberalismo, a minoria vermelha norte-americana não encontrou eco ao seu discurso e a crise cotidiana fez com que grossos setores da sociedade acalentassem o namoro com o fascismo, ou antes, e mais corretamente, com alguns aspectos que compõem a sua doutrina, como o nacionalismo exacerbado e a xenofobia que daí advém. E é nesse clima, permeado de miséria pela Grande Depressão e racismo, que o ítalo-americano e de família paupérrima, John Fante, passará sua infância, adolescência e início de vida adulta. Experiências que, somadas ao rigoroso catolicismo materno e as recorrentes bebedeiras paterna, serão constantes em toda sua obra, da primeira - Espere a primavera, Bandini (1938) – a última, ditada a sua esposa Joyce – Sonhos de Bunker Hill (1982).

Fante nasceu em 1909, na fria Denver, Colorado. Como já adiantamos, berrou em berço de pobre. A mãe, Mary Fante, carola digna de altar, e pai, o pedreiro Nick Fante – que passava longos invernos desempregado – educaram o garoto na mais ortodoxa fé católica, reforçada pela escola paroquial em Boulder e o internato jesuíta Ginásio Regis. O contato com a fé de São Pedro moldaram a personalidade de John. Seu filho, Dante Fante, numa entrevista de 2012, na ocasião do lançamento de um livro de memórias, diz que seu pai:

quando jovem, teve várias experiências espirituais poderosas. Não coloquei isto no livro, mas talvez devesse. Ele era católico e, quando garoto, tinha visões da Virgem Maria. Ele era bem religioso, era um “altar boy” e foi católico a vida toda. Ia à igreja, não com muita frequência, mas ia. Muitas vezes ficava irritado com o padre, se levantava e ia embora no meio da missa. Mas ele tinha muitos amigos que eram padres e os admirava muito. Ele tinha grande admiração por pessoas de espiritualidade

Essa aproximação com o catolicismo, como já dissemos, irá percorrer toda sua obra. Arturo Bandini, seu principal alter ego (Espere a primavera, Bandini; Pergunte ao Pó; Sonhos de Bunker Hill; O Caminho de Los Angeles), bem como Dominic Molise (1933 foi um ano ruim), Jimmy Toscana (O vinho da juventude) e Henry Molise (A irmandade da uva)- este último em menor grau - enfrentam graves dilemas de consciência entre um abstrato e inalcançável desejo de pureza e a concreta vida errante, de pequenos bicos, furtos, muita bebida, jogos e mulheres.

Mas, me adianto. Fante ainda não era escritor em Denver. Foi depois de cursar a Universidade do Colorado e de juntar os trapos rumo a calorosa e pecaminosa Los Angeles, que ele nos apresentou seu novo ofício, bem como os dois espaços onde desfilarão seus personagens: o frio Colorado e a quente Califórnia. (CURIOSIDADE: Em Los Angeles há, uma vez ao ano, o passeio literário "tour Fante", que percorre os mesmos locais de Bandini. Na Ilustrada, encarte de cultura da Folha de São Paulo, saiu uma rápida nota: "Quase nada resta atualmente em Los Angeles do distrito de Bunker Hill, onde John Fante morou quando solteiro e que usou como cenário para várias tramas de Bandini, como em seu último romance, "Sonhos de Bunker Hill", ditado para a mulher quando já estava cego. A empresa Esotouric, que promove passeios literários na cidade, faz um "tour Fante" uma vez ao ano. O mercado onde Bandini comprava laranjas ainda existe, assim como o trenzinho Angels Flight. Há, com mais frequência, o "tour Bukowski", que passa por uma de suas casas em Hollywood, hoje patrimônio da cidade, e também pelo Pink Elephant, sua loja de bebidas favorita (FONTE)". E no BLOG dessa moça, que foi quem escreveu a reportagem, tem mais).

Então, esses são os elementos principais de Fante. Ou seja, nada diferente da grande maioria. Em sua vida não há nenhum ato de bravura ou heroísmo, nenhum gesto de bondade incondicional ou qualquer outra coisa que o eleve acima dos mortais. Assim, como os ingredientes que o constituíram penetraram em sua obra, essa existência comum também deu o tom, levado a cabo por uma escrita enxuta, sem nada de excepcional. Suas tramas revelam-se simples, pouco elaboradas. Porém, mesmo com todas essas descaracterísticas, John Fante é considerado o precursor do movimento que explodiria na América nos anos 50, o BEAT, influenciando aquele que talvez seja seu maior expoente, Jack Kerouac. Por que? Porque Fante coloca em suas páginas, através de qualquer alter ego, o lado fodido do sonho americano. Nelas estão os Estados Unidos que não deram certo, seus pobres, seus bêbados, viciados, prostitutas, seus indesejáveis imigrantes italianos, mexicanos, filipinos. Tudo que a propaganda não mostra ao filmar os subúrbios felizes; tudo que se quis eliminar com o processo de esterilização em massa dos miseráveis, inspirados em teorias do século XIX, nas quais o mal é o pobre, não a pobreza. (Os beatniks de depois acrescentam ao todo concreto os desdobramentos no mapa subjetivo, combatendo as inúmeras formas sutis de controle sobre o corpo com sexo, drogas e jazz).

Pelo bem da verdade, é bom dizer que Fante não foi nenhum militante de causa, não levantou nenhuma bandeira em prol disso ou daquilo. Mas o fato de retratar os "indesejáveis" da sociedade liberal, os trouxe à cena, deu-lhes voz. E o fez não com a compaixão que aleija, mas com a verdade das ruas, onde todos, inclusive seu Arturo Bandini, nos dizeres de Paulo Leminski no prefácio de Pergunte ao pó, são errantes, sempre em trânsito, santos aqui, miseráveis ali, "ora por cima, ora por baixo, se virando mais que charuto na boca de bêbado, para manter a cabeça acima da maré de merda".

Bibliografia - ou parte dela
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O primeiro romance de Fante foi Espere a primavera, Bandini , de 1938. Vai uma rápida "resenha" e apresentação dos principais personagens:

É inverno em Rocklin, Colorado. “Ele veio, chutando a neve funda”. Svevo Bandini. É assim que John Fante começa Espere a primavera, Bandini. O título, juntamente com a primeira frase, sintetiza a ideia a ser transmitida nas 204 páginas seguintes: os passos difíceis numa vida de pobreza e a vontade que não esmorece pela esperança no amanhã.

Svevo é o pai de Arturo, e um personagem tão cativante quanto. Italiano, pedreiro, detesta o inverno, pois a baixa temperatura congela a argamassa, fazendo os serviços de alvenaria desaparecerem. A pobreza, de todas as estações, é mais gritante nessa época. Culpa-se por não conseguir dar uma vida melhor à família e distribui essa culpa entre Deus e os homens: à sogra, que expõe sua miséria; à casa, que não é sua; ao banqueiro a quem frequentemente tem que explicar os seus atrasos; ao dono do armazém; à má sorte no carteado do Salão de Bilhar Imperial; a Deus, o Dio Cane.
Há também o preconceito sofrido por ser italiano. Svevo se diz cidadão americano, membro do sindicato dos pedreiros, tentando diminuir a aversão através de um processo simples de negação. Fante, no entanto, descreve em muitas passagens o seu modo de caminhar, de cabeça erguida, passos decididos, praguejando os dias em sua língua natal, como se quisesse, inconscientemente, superar o preconceito com a autoafirmação e o orgulho de seu sangue.
O relacionamento com a sra. Hildegarde, americana, rica, diz muito sobre isso. Na primeira vez em que vão pra cama, Svevo a subjuga e o ato sexual serve para reparar as injustiças, para inverter a lógica: o imigrante pobre é o conquistador, não o conquistado. Segue um trecho:

" Nenhum outro ser vivo estava naquela casa, só ele e a mulher colada nele, gritando em dor e êxtase, chorando e implorando que tivesse misericórdia, seu choro um fingimento, uma súplica pra que não tivesse nenhuma misericórdia. Ele riu o triunfo de sua pobreza e de sua rudeza. Essa viúva! (...) E quando a deixou soluçando de satisfação, desceu pela estrada com um profundo contentamento que vinha da convicção de que era dono da terra (...) não havia povo na terra igual ao italiano, aquele júbilo de ser camponês..."

Maria é a mãe de Arturo. Devota ao extremo, orgulha-se de ter o mesmo nome da Virgem Maria, de ter os filhos estudando em colégio católico, todos coroinhas. Um deles, August Bandini, deseja tornar-se padre o que, no seu entendimento, a aproxima ainda mais da santa. Não pariu Jesus, mas deu a luz a um servo de Deus. Idolatra o marido, Svevo. Podemos dizer que suas duas grandes muletas são o catolicismo e o matrimônio.

Arturo não quer ser pedreiro como o pai. Ele quer ser jogador de beisebol. Uma estrela, líder em rebatidas pelo New York Yankees ou em arremessos pelo Chicago Cubs. Tem nesse sonho a saída para se impor e deixar pra trás o estigma de carcamano pobre, com cabelos sem corte e roupas remendadas. Nesta obra, já temos o esboço do Arturo Bandini de Pergunte ao pó, moço da imaginação galopante, corajoso e covarde, terno e agressivo. Em suas atitudes, vemos a herança do pai, pelo contato cru com o mundo, e a da mãe, pela religião que ao mesmo tempo o condena e liberta.
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O mais famoso, Pergunte ao Pó, que há alguns anos foi ao cinema com a DELICIOSA e MARAVILHOSA Salma Hayek no papel de Camilla Lopez, é de 1939:

Lembro da primeira vez que li Pergunte ao Pó. Fui seduzido pela introdução de Paulo Leminski e pelo prefácio de Charles Bukowski (- Não me chame de filho da puta! Eu sou Bandini, Arturo Bandini!). Terminado o livro, quis ser escritor. Cheguei até a tentar redações mais rebuscadas, mas o boletim deixou claro que o talento era deficitário. Consigo rabiscar algumas coisas pra cair no agrado da morena, mas é só.

Agora, depois de muitas releituras (ao lado de O apanhador no campo de Centeio, Pergunte ao pó é o livro que mais reli), não tenho aquele comichão pra iniciar uma carreira literária, como antigamente. Mas sempre surge um querer absurdo pela vida, não a hipócrita do comercial de margarina, mas a verdadeira, cheia de falhas e arestas nas quais a gente se corta. Veio uma vontade “de entrar em contato com a matéria bruta da vida”, de ser um Arturo Bandini e desejar uma Camilla Lopez como se deseja uma Brahma depois do desgosto.

Mais: deixa-se de acreditar no honesto, naqueles que trazem certa candura no olhar e uma bondade sem interesse no coração. Deixei de acreditar no coroinha da igreja, por exemplo. Acredita-se só em Arturo Bandini, o sonhador da imaginação galopante, o santo e pecador, capaz do maior ato de coragem e da maior prova de covardia, o “amigo do homem e da besta”. O anti-herói.

A estória, em linhas gerais: Arturo, descendente de italianos, saiu do Colorado com o desejo de se tornar um grande escritor. Vai parar na Los Angeles dos anos 30, ainda sob os efeitos da quebra da Bolsa em 29. Duro, sem inspiração, vai perambulando pelas ruas poeirentas da cidade, entrando em contato com aqueles que vivem à margem da sociedade, ora os reconhecendo como irmãos de sofrimento, ora os desprezando, numa reação que podemos classificar como inconsciente: uma espécie de reparação íntima pelo preconceito que sofreu por ser pobre e filho de imigrantes. Com Camilla Lopez, garçonete de um café, esse tipo de relação é mais nítida – ao mesmo tempo em que a idolatra e deseja, ele a ofende e descarta. Conhece Vera, uma mulher misteriosa e, a partir desse encontro, somado ao terremoto em Long Beach, Bandini parece adquirir outra compreensão das coisas e pessoas que o cercam, embora com algumas naturais recaídas. Surge a inspiração para o livro e seu relacionamento com Camilla ganha novos contornos.

Sonhos de Bunker Hill veio a público em 1982. Fante, já danado pelo diabetes, o ditou a sua esposa. Nele, Arturo Bandini relata suas experiências como roteirista de Hollywood. O autor, que realmente exerceu tal ofício, enchendo o rabo de dinheiro, trago pelas memórias de seu filho Dan: "Ele fez muita grana escrevendo todos os dias para os estúdios de Hollywood. Fazia uma reunião com sua secretária todas as manhãs e dizia para ela que anotasse todos os recados, então ia jogar golf. Ele fez isso por 20 anos".

O Caminho de Los Angeles, saiu em 1985 pelos esforços de Charles Bukowski, grande fã de Fante (Então um dia puxei um livro e o abri, e lá estava. Fiquei parado de pé por um momento, lendo. Como um homem que encontra ouro no lixão da cidade, levei o livro para uma mesa. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela. A própria substância de cada linha dava uma forma à página, uma sensação de algo entalhado ali. E aqui, finalmente, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor entrelaçados a uma soberba simplicidade. O começo daquele livro foi um milagre arrebatador e enorme para mim. Tomei o livro emprestado, levei-o ao meu quarto, subi à minha cama e o li, e sabia muito antes de terminar que aqui estava um homem que havia desenvolvido uma maneira peculiar de escrever. O livro era Pergunte ao pó e o autor era John Fante. Ele se tornaria uma influência no meu modo de escrever para a vida toda). O livro foi escrito por volta de 1936 e os manuscritos descobertos por sua viúva, Joyce. Temos o mesmo Bandini e suas andanças por Los Angeles, pulando de emprego em emprego, descontando nos mexicanos e filipinos o racismo de que era vítima por ter sangue italiano. É um Fante menos vigoroso, vamos assim dizer. Do quarteto que compõe a "saga Bandini" considero o menos empolgante.

De Fante, no Brasil, ainda temos

1933 foi um ano ruim, de 1985.

O Vinho da Juventude, livro de contos, também de 1985.

E, recentemente publicado, A irmandade da uva.

A Bibliografia completa tá aqui, no bom e velho Wikipedia.

John Fante morreu em 8 de maio de 1983, aos 74 anos.
 
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