Então as vozes dos Ainur, traduzidas por harpas e alaúdes, flautas e trompas, violas e órgãos e por incontáveis coros cantando com palavras, começaram a moldar o tema de Ilúvatar numa grande música; e ergueu-se um som de intermináveis e intermutáveis melodias entretecidas em harmonia, um som que, ultrapassando o ouvido, se propagou às profundidades e às alturas, e os lugares de habitação de Ilúvatar encheram-se a transbordar, e a música e o eco da música chegaram ao vazio, que deixou de ser vazio. Jamais desde então fizeram os Ainur qualquer música como essa, embora tenha sido dito que outra ainda mais grandiosa será ouvida perante Ilúvatar pelos coros dos Ainur e pelos filhos de Ilúvatar depois do fim dos dias. Então, os temas de Ilúvatar serão tocados corretamente e assumirão um ser no momento da sua expressão, pois todos compreenderão totalmente a intenção dele na sua parte e cada um terá a compreensão de cada qual, e Ilúvatar, satisfeito, dará aos pensamentos deles o fogo secreto.
[...]
No meio da contenda, em que as mansões de Ilúvatar estremeceram e um tremor percorreu os silêncios ainda não perturbados, Ilúvatar levantou-se uma terceira vez e o seu rosto era terrível de se ver. Então levantou ambas as mãos e, num acorde mais profundo que o abismo, mais alto do que o firmamento e penetrante como a luz dos olhos de Ilúvatar, a música cessou.
Então, Ilúvatar falou e disse: "Poderosos são os Ainur e o mais poderoso dentre eles é Melkor; mas, para que ele saiba, e todos os Ainur, que sou Ilúvatar, as coisas que cantastes vos mostrarei, para que possais ver o que fizestes. E tu, Melkor, verás que nenhum tema pode ser tocado se não tiver a sua suprema fonte em mim, nem pode ninguém modificar a música a despeito meu. Pois aquele que o tentar apenas provará ser meu instrumento na invenção de coisas mais maravilhosas que ele próprio não imaginara".
Então, os Ainur tiveram medo e não compreenderam ainda as palavras que ouviram; e Melkor ficou cheio de vergonha, da qual nasceu secreta cólera. Mas Ilúvatar ergueu-se em esplendor e partiu das belas regiões que fizera para os Ainur, e os Ainur seguiram-no. Mas quando chegaram ao vazio, Ilúvatar disse-lhes: "Olhai a vossa música!" E mostrou-lhes uma visão, dando-lhes vista onde antes houvera só ouvido; e viram um mundo novo, tornado visível para eles, um mundo feito globo no meio do vazio e nele sustentado, mas que não era parte dele. E, enquanto olhavam e se maravilhavam, esse mundo começou a desenrolar a sua história e pareceu-lhes que vivia e crescia. E, quando os Ainur tinham olhado um bocado e estavam silenciosos, Ilúvatar repetiu: "Olhai a vossa música! Esta é a vossa arte de menestréis; e cada um de vós se achará aqui contido, entre o desígnio que vos apresentei, todas aquelas coisas que lhe podem parecer terem sido por ele próprio inventadas e acrescentadas. E tu, Melkor, descobrirás todos os pensamentos secretos da tua mente e compreenderás que são apenas parte do todo e tributários da sua glória."