A QUEM INTERESSA A NARRATIVA DOS ‘HACKERS CRIMINOSOS’ NA #VAZAJATO?
Leandro Demori,
Glenn Greenwald
17 de Junho de 2019, 16h06
NO ÚLTIMO DOMINGO, o Brasil foi surpreendido por três reportagens explosivas publicadas pelo TIB. Nelas, nós mostramos as entranhas da Lava Jato e mergulhamos fundo em poderes quase nunca cobertos pela imprensa. Quase todos os jornalistas que eu conheço preferem se manter afastados disso: apontar o dedo para procuradores e juízes é, antes de tudo, perigoso em muitos níveis – eles têm razão.
As primeiras reações dos envolvidos no escândalo foram essas: O MPF preferiu
focar em hackers, e não negou a autenticidade das mensagens. Sergio Moro
disse que não viu nada de mais, ou seja: não negou a autenticidade das mensagens.
Moro, na verdade, se emparedou: em
entrevista ao Estadão, ele inicialmente não reconhece como autêntica uma frase que ele mesmo disse. Mas depois diz que pode ter dito. E depois ainda diz que não lembra se disse. Moro está em estado confusional.
Horas depois, à Folha, Moro confirmou um dos chats que publicamos: em uma coletiva,
ele chamou de “descuido” o episódio no qual, em 7 de dezembro de 2015,
passa uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigue. Confessou que ajudou a acusação informalmente, o que é contra a lei. Como dizem as piores línguas: tirem suas próprias conclusões.
Deltan Dallagnol não negou tampouco. Ele está bastante preocupado com o que diz ser um “hacker”, mas
sequer entregou seu celular para a perícia.
É evidente que nem Moro, nem Deltan e nem ninguém podem negar o que disseram e fizeram. O Graciliano Rocha, do BuzzFeed news,
mostrou que atos da Lava Jato coincidiram com orientações de Moro a Deltan no Telegram. Moro mandou, o MPF obedeceu. Isso não é Justiça, é parceria. Ontem nós mostramos a mesma coisa: Moro sugeriu que o MPF atacasse a defesa de Lula usando a imprensa,
e o MPF obedeceu. Quem chefiava os procuradores? Só não vê quem não quer.
A imprensa séria virou contra Sergio Moro e Deltan Dallagnol em uma semana graças às revelações do TIB. O Estadão, mesmo que ainda fortemente aliado de Curitiba,
pediu a renúncia de Moro e o afastamento dos procuradores. A Veja escreveu um
editorial contundente (“Moro ultrapassou de forma inequívoca a linha da decência e da legalidade no papel de magistrado.”) e publicou uma capa demolidora. A Folha está fazendo um trabalho importante com os diálogos, publicando reportagens de contexto
absolutamente necessárias.
Durante cinco anos, a Lava Jato usou vazamentos e relacionamentos com jornalistas como uma estratégia de pressão na opinião pública. Funcionou, e a operação passou incólume, sofrendo poucas críticas enquanto abastecia a mídia com manchetes diárias. Teve pista livre para cometer ilegalidades em nome do combate a ilegalidades. Agora, a maior parte da imprensa está pondo em dúvida os procuradores e o superministro.
Mas existe uma força disposta a mudar essa narrativa. A grande preocupação dos envolvidos agora, com ajuda da Rede Globo – já que não podem negar seus malfeitos – é com o “hacker”. E também nunca vimos tantos jornalistas interessados
mais em descobrir a fonte de uma informação do que com a informação em si. Nós jamais falamos em hacker. Nós não falamos sobre nossa fonte. Nunca.
Já imaginou se toda a imprensa entrasse numa cruzada para tentar descobrir as fontes das reportagens de todo mundo? A quem serve esse desvio de rota? Por enquanto nós vamos chamar só de mau jornalismo, mas talvez muito em breve tudo seja esclarecido. Nós já vimos o futuro, e as respostas estão lá.
A ideia é tentar nos colar a algum tipo de crime – que não cometemos e que a Constituição do país nos protege.
Moro disse que somos “aliados de criminosos”, em um ato de desespero. Isso não tem qualquer potencial para nos intimidar. Estamos apenas no começo.
Esse trabalho todo que estamos fazendo só acontece graças ao esforço de uma equipe incrível aqui no TIB. De administrativo a redes sociais, de editorial a comunicações, todos estão sendo absolutamente fantásticos. Nós queremos agradecer imensamente por tudo, e pedir para que vocês nos ajudem a continuar reportando esse arquivo.
Faça parte do Intercept Brasil.
Sem vocês, nada disso tem sentido.
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ANUNCIAMOS NOSSA PARCERIA JORNALÍSTICA COM A FOLHA NO ARQUIVO DA VAZA JATO – E AS IMPROPRIEDADES REVELADAS NA PRIMEIRA REPORTAGEM CONJUNTA COM O JORNAL
Leandro Demori,
Glenn Greenwald
23 de Junho de 2019, 2h21
DESDE ANTES de começar a publicar a série sobre o arquivo secreto em relação ao então juiz Sergio Moro e a Lava Jato, o Intercept já sabia que precisaria contar com parceiros para reportar a enorme quantidade de complexas histórias de interesse público encontradas nos materiais. Hoje, anunciamos nossa primeira parceria institucional: a Folha de S.Paulo começa a publicar, neste domingo, uma série de reportagens que tem como origem as mensagens trocadas pelos procuradores da força-tarefa e o ministro Moro, enviadas ao Intercept Brasil por uma fonte anônima.
Durante os últimos dias, os repórteres da Folha tiveram acesso ao acervo da Vaza Jato e trabalharam lado a lado com nossos repórteres e editores, pesquisando as mensagens e analisando seu conteúdo. Ao examinar o material – que é o mesmo que baseou as reportagens publicadas pelo Intercept até agora – a reportagem da Folha,
como eles anunciaram hoje no seu próprio editorial, “não detectou nenhum indício de adulteração”, contrariando as insinuações do ministro Sergio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e de seus colegas (nem o ministro Moro nem a força-tarefa alguma vez alegaram, e muito menos demonstraram, que qualquer material publicado foi alterado, lançando insinuações vagas em uma tentativa de minar a confiabilidade do arquivo).
No texto, a Folha lembra que “Após as primeiras reportagens sobre as mensagens, publicadas pelo Intercept, no dia 9, Moro e os procuradores reagiram defendendo sua atuação na Lava Jato, mas sem contestar a autenticidade dos diálogos revelados.” A versão só seria mudada dias depois, quando Moro e os procuradores, escreve a Folha, “passaram a colocar em dúvida a integridade do material, além de criticar o vazamento das mensagens”, sem, no entanto apresentarem “nenhum indício de que as conversas reproduzidas sejam falsas ou tenham sido modificadas.”
Exatamente como nós fizemos quando recebemos o arquivo, a Folha utilizou vários métodos jornalísticos para confirmar a autenticidade do acervo. A Folha explica, hoje, em seu editorial: “Os repórteres, por exemplo, buscaram nomes de jornalistas da Folha e encontraram diversas mensagens que de fato esses profissionais trocaram com integrantes da força-tarefa nos últimos anos, obtendo assim um forte indício da integridade do material.”
A primeira reportagem publicada pela Folha em conjunto com nossos repórteres reforça mais uma vez a série de artigos que estamos levando ao público nessa primeira leva de textos: a proximidade entre o ex-juiz Moro e os procuradores da Lava Jato era tamanha que Moro não pode mais alegar ter feito seu trabalho com isenção e independência, deveres básicos de qualquer juiz que tem por ofício respeitar a lei.
Em seu texto, o jornal conta como os procuradores se articularam para proteger Sergio Moro e evitar novas tensões entre o então juiz da Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal, apenas um dia depois de Moro ter sido repreendido pelo STF por ter divulgado ilegalmente uma conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.
O atrito com o Supremo foi causado pelo que Moro chamou de “bola nas costas” da Polícia Federal: no dia 22 de março de 2016, a PF tornou públicos documentos da Odebrecht de um processo que corria em Curitiba. O material foi divulgado pelo jornalista Fernando Rodrigues antes que Moro pusesse tudo em sigilo novamente. A divulgação de vários nomes de investigados com foro privilegiado obrigaria o ex-juiz a remeter parte do processo ao STF, coisa que Moro não parecia disposto a fazer.
Moro reclamou com Deltan Dallagnol no Telegram. “Tremenda bola nas costas da Pf”, disse. “E vai parecer afronta [ao STF].” Horas depois, após discutirem juntos uma estratégia – em mais uma prova de que juiz e procuradores trabalhavam em conjunto fora dos autos, o que é ilegal –, Deltan escreveu novamente a Moro, sugerindo que não tinha havido má-fé por parte da PF. “Continua sendo lambança”, respondeu o juiz. “Não pode cometer esse tipo de erro agora.” Deltan respondeu: “Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações.”
Minutos depois de conversar com Moro no chat do Telegram, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo, que chefiava as investigações sobre a Odebrecht, e disse: “Moro está chateado.” Anselmo respondeu horas mais tarde reconhecendo que tinha sido apressado, mas minimizou – ele não via motivo para “todo esse alvoroço”. Deltan respondeu: “O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim”, disse. “Vem porrada.”
No dia seguinte, Moro voltou ao Telegram e, numa conversa pessoal com Deltan, pediu que o procurador ajudasse a conter o grupo antipetista Movimento Brasil Livre. Eles protestavam em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, com faixas com os dizeres “traidor” e “pelego do PT”.
Moro teclou a Deltan: “Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro. Isso nao ajuda evidentemente.” Deltan disse que tentaria se informar, mas ponderou: “Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro.” Mais tarde, o procurador avisou Moro que que o MBL estava “chateado” com a força-tarefa devido a sua recusa em se juntar explicitamente à chamada do grupo para o impeachment de Dilma, mas alertou que o MPF não tinha contato com o MBL.
Dois inquéritos e uma ação penal que corriam em Curitiba, incluindo a lista da Odebrecht, foram enviados ao STF em fins de março. Poucas semanas depois, Teori devolveu os inquéritos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos com foro, como manda a lei, as mesmas que Moro não queria mandar ao Supremo.
Nós sabemos que não é comum que os jornalistas compartilhem seus mais importantes furos com outros meios de comunicação, preferindo reportá-los por conta própria. Mas nós vemos o arquivo fornecido por nossa fonte como um bem público crucial, que pertence ao povo brasileiro, não apenas a nós.
Decidimos compartilhar esse material com outras redações e jornalistas – e hoje anunciamos a Folha – porque nossa prioridade é informar o público da maneira mais confiável, justa e completa sobre o que esses funcionários públicos – que até ontem movimentavam um grande poder nas sombras – faziam quando acreditavam que ninguém jamais descobriria suas ações.
O papel de uma imprensa livre em uma democracia é garantir que aqueles que exercem o maior poder o façam apenas com transparência, porque todos os humanos inevitavelmente abusam do poder quando lhes é permitido usá-lo no escuro. Tudo o que fizemos com este arquivo até este ponto, e tudo o que continuaremos a fazer, é dedicado a este objetivo e ao interesse público. Trabalhar em parceria com a Folha e outros meios jornalísticos ajudará o público a ter acesso e a entender esses materiais o mais rápido e com a maior responsabilidade possível.