Chegando sua vez de se pronunciar novamente, Samael se levanta, e olhando para Horfael, começa a falar:
"Sim, os mortais temiam a morte antes mesmo de Horfael começar a interferir nessa questão. Entretanto, eles o faziam como alguém que teme o desconhecido, um misto de curiosidade e receio, gerado pela ignorância, e não pelo medo em si. Mas Horfael incitou em seus corações o mais puro terror dela...ele espalhou a imagem da morte como um fim sombrio e desagradável, sinônimo de inexistência ou sofrimento eterno, a qual todas as criaturas estariam condenadas, a não ser que optassem por lhe entregar suas almas, e aceitassem a esmola que ele lhes concedesse, mantendo-os nesse mundo como cadáveres animados. Ele os enganou, difamou minha imagem, e isso com as atrocidades que ele mesmo cometeu...pois se a vida no Além é de alguma forma semelhante à imagem que ele passou aos mortais, ela o é em seus próprios domínios, onde suas almas são distorcidas em criaturas grotescas, e onde muitas outras servem de brinquedo para a crueldade dessas ultimas."
"E não me venha com esse papo furado de compreenderem a razão de suas existências. Se o meio de alcançar algo parecido existe, é justamente por meio de suas mortes, quando eles virão até seus criadores e ficarão lado a lado com eles, e não em uma existência amaldiçoada e condenada pelo Equilíbrio."
"E quanto à imortalidade de seus feitos, isso se dará pela memória daqueles que seguem, e não pela existência nefasta dessa criatura pela eternidade. É você quem os condena a um estado muito abaixo daquele em que nasceram. Você se aproveitou da ignorância das criações de meus irmãos para escraviza-los. Tenha ao menos um pingo de dignidade e assuma que fez o que fez por ganho próprio, e não por alguma historinha barata de altruísmo para com os mortais. Tenha coragem ao menos para isso."
"Você não passa de um usurpador e conspurcador, Horfael. Nada criou, apenas deturpou. E, quando não conseguiu deturpar, escolheu por destruir. A inveja o levou a tentar arruinar a criação de Tulyas."
"Isso mesmo, meus irmãos. O que ele sente é inveja, porque estamos em nosso mundo, porque criamos, porque somos irmãos. Ele é um estranho por aqui, e nada faz além de corromper nossas criações e domínios. Ele inveja a nós todos, e seu sarcasmo é a máscara que usa para esconder isso, até de si mesmo. Ele cobiça nossos domínios, criações, e mundo. Ele é a mais pura inveja, que distorce o que não consegue criar. Se a mesma ainda não estiver sob seu domínio, logo ela estará, meus irmãos, pois o ser que temos em nossa frente é a mais pura manifestação dela."
Virando-se para Anuradha, ele continua:
"Como eu já disse, minha irmã, há um grande diferença entre o medo que eles sentiam antes, e o que sentem agora, que os leva a trocarem suas almas para permanecer na condição lastimável em que se encontram."
"E a Morte é tão repugnante quanto a Vida. Assim como nenhuma das duas o é, ao mesmo tempo. A Morte nada mais é do que a alma devolver a Garr o que tomou emprestado, e depois seguir rumo à verdadeira existência eterna. Todos os seres passam brevemente por esse mundo, e não sou eu quem decide o quanto eles podem permanecer seguramente por aqui, mas sua propria mente e coração. E a insanidade daqueles que optaram pela não-vida apenas mostra o quanto isso está correto."
"Com relação a que punição deveríamos conceder à Horfael, sou contra a idéia de deixa-lo sob os cuidados de um de nós. Isso o deixará sujeito a castigos arbitrários por parte do responsável, e, como Kai'ckul já disse, o objetivo principal aqui é que a justiça seja feita."
"Poderíamos bani-lo de volta para seu mundo, mas existe a possibilidade de ele achar o caminho de volta, e trazer seus irmãos com ele para guerrear, o que poderia custar tudo o que criamos até agora, e mesmo a existência de alguns de nós."
"A destruição, apesar de ser a pena de meu agrado, devido a seus crimes, e por evitar possíveis inconvenientes futuros, talvez não seja realmente a forma mais justa de resolver a situação."
"Acredito que deveríamos, então, aprisiona-lo em uma das luas de Garr, em uma prisão construída com os poderes de todos nós, de modo que ele jamais possa sair sozinho, e que apenas todos juntos possamos liberta-lo."
"Da mesma maneira, sugiro que todas as criaturas que ele distorceu com a falsa vida eterna sejam declaradas inimigas de nossa Ordem, e caçadas por nossos agentes até que o último de suas fileiras retorne ao pó. Que nenhum de nós atenda à suas orações, pois eles são contra tudo o que mantemos, e que a prisão de Horfael não permita nem que ele ouça suas preces, nem que mande seu poder a eles. Iremos purgar esse mal de Garr, e retorna-la aos poucos ao Equilíbrio pretendido."
"Ele ficaria preso no mínimo pelo tempo necessário para que reparemos seus erros. Quando isso acontecer, aí sim convocaríamos novamente o Conselho, e decidiríamos por quanto tempo ele continuaria aprisionado."
"Mas veremos pelo que a maioria de nós irá optar. Meu pronunciamento está feito. Agradeço pela atenção."