Caro Araglar, você pode fazer o que quiser, dentro de certos limites que a langue trata de impor. Eu mesmo devo dizer porém que o português é uma língua de cultura, pelo que tem uma norma culta, embora no Brasil não esteja bem definida, uma norma culta que se destina a ocasiões cultas. Se você deseja fazer uso dela sempre, com os seus pais, entre os amigos e na bodega do seu Zé na esquina, é uma opção, mas há de certo o risco de estigmatização.
Quanto ao surgimento e à vitalidade de dialetalismos e de gírias (“expressões coloquiais” atingem mais freqüentemente a morfossintaxe que o vocabulário), não há fortes relações com o conhecimento da gramática tradicional. Eu a conheço bem, como é da minha alçada (aproveito para lhe ajudar, o correto, segundo a GT, é “não se culpa aí”, ou melhor, “não se culpa então”, deixe “aí” com a sua função locativa tradicional), mas não deixo de utilizar os dialetalismos e as gírias que são próprios do meu meio, e em tal meio (de pessoas que passam a manhã ou a tarde inteira em contato profundo com a língua) não conheço ninguém que aja diferente. As línguas, amigo, não avançam nas penas dos gramáticos, e sim na boca do povo, que a aprendeu com as gerações devanceiras, seguindo a lei do menor esforço (razões intralingüísticas) e adequando-se ao contexto contemporâneo (razões extralingüísticas). Não pense que estou esvaziando a função da gramática normativa, há que respeitar e reconhecer a sua importância, mas não deveria ir muito além de manter a unidade da língua, respeitando a sua diversidade, o que não acontece com a gramática normativa da língua portuguesa do Brasil, que necessita de uma reforma faz bastante tempo.
Algo dito por você está correto, na aprendizagem de uma língua estrangeira, é preciso tentar reproduzir as formas normativas, se bem que os erros se devem mormente à introdução de formas da língua própria no sistema estranho. É totalmente incorreto falar por exemplo em quenya “Quenta on Atani”*, ou dizer “Atâni” quando a única pronúncia é [átani] e [ã] nasalizado não há sequer. Da mesma maneira, é absurda a estrutura em português “A estória homens dos”*, mas qualquer falante da língua galego-portuguesa compreenderá as variantes [á ixtÓriâ duz Ômi], própria do nordeste do Brasil, [â ixtÓryâ duz Ómãix], própria do sul de Portugal ou [á êstóryá dôs ómês], própria do oeste da Galiza.
Creio que cabe aqui o poema de Oswald de Andrade:
"Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso, camarada,
Me dá um cigarro."