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Quarentenando com Clarice Lispector

Qual leremos?

  • A Cidade Sitiada

    Votos: 0 0,0%
  • A Hora da Estrela

    Votos: 0 0,0%
  • A Legião Estrangeira

    Votos: 0 0,0%
  • O Lustre

    Votos: 0 0,0%
  • Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

    Votos: 0 0,0%
  • Outro (Citar no tópico)

    Votos: 0 0,0%

  • Total de votantes
    8
  • Votação encerrada .
@Spartaco, quando vi o empate, pensei nisso. Vamos torcer para que alguém venha desempatar, mas, até agora, eu não sei bem o que faremos se rolar empate.
Se empatar, @Melian dedocraticamente decide quem vence, ué. o. O

Ta aí uma coisa que eu nunca tive a capacidade de fazer.
Eu acho que se empatar tem que rolar uma nova votação entre os empatados.
Bah, se tem uma coisa que eu não consigo, é ficar APENAS num livro. É quase como pedir que eu tente programar com uma mão nas costas, e os olhos vendados. Deve dar, mas eu sei que posso fazer muito mais, e não estou fazendo, e a ansiedade bate forte. :lol:
 
Ô dona @Arringa Hrívë, a senhorita deveria votar e parar de insinuar que eu estragarei o lance democrático da escolha.

ERA SEGREDO QUE EU PRETENDIA IGNORAR A ENQUETE, PÔ!

Gente, estive eu, pensando com meus botões, para tentar encontrar um jeito de fazer com que alguma boa alma aparecesse para desempatar a enquete. Como já mencionei, eu lerei qualquer um dos livros que vencer (mesmo que meu Felicidade Clandestina tenha criado pernas e desaparecido. Internet está aí para isso, né? Não apenas para isso, mas também). Porém, pensei num trem que o Spartaco falou lá no início da coisa toda: talvez fosse mais fácil, para que as pessoas pudessem se organizar para ler, se escolhêssemos um livro de contos, porque aí a gente poderia ir comentando aos poucos, conto por conto (eu posso ficar dias sem comentar conto nenhum e, numa sentada só, comentar todos, mas eu não sou parâmetro, eu já disse.).

Se escolhermos A paixão segundo G.H, eu vou adorar teorizar com vocês sobre os travessões (ou seriam lacunas? Por que doze, ao todo?) que abrem e fecham o livro. Mas é que tudo acaba onde começou. São 179 páginas de procura, e de metamorfose.

Por outro lado, se escolhermos Felicidade Clandestina, teremos contos, diversos, para analisar. O conto que abre o livro é o mesmo que dá título a ele: Felicidade Clandestina.

Se você não curte spoilers, dê uma olhadinha no conto antes de ler meus comentários. Como sou uma pessoa legal, vou colocá-lo aqui, ok?

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser. ”Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse ” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


Em síntese, o enredo do conto é o seguinte: uma menina, a narradora, queria ler Reinações de Narizinho, e a filha do dono de uma livraria disse que lhe emprestaria o livro. Quando ela foi buscá-lo, a menina disse que tinha acabado de emprestá-lo para outra pessoa. E falou para ela voltar no outro dia. E isso foi se repetindo ao longo dos dias. A situação se resolveu quando, um dia, a mãe da menina desconfiou da história e, ao saber do que tinha acontecido, disse que o livro sempre esteve lá. Então, ela emprestou o livro para a narradora e disse que ela poderia ficar com ele por quanto tempo quisesse.

Aparentemente, trata-se de um enredo simples: uma menina descobrindo o prazer da leitura. Mas isso muda com uma rápida olhada nas palavras que povoam o conto: excessivamente, enorme, devoradora, ferocidade, comendo-o, grosso, entre outras. Essas palavras instauram a figura do exagero no conto e, mais do que isso, são palavras que evocam algo que é forte, presente, visível, evocam algo de sexual. E isso vai sendo construído no texto, também, por meio da constituição da relação sadomasoquista entre a narradora e a filha do dono da livraria. Esta sentia prazer em fazer com que aquela sofresse. O sádico precisa de um masoquista. E essa relação fica bastante clara quando a narradora diz: "como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra".

Outra coisa bastante significativa é a descrição erotizada do livro: "Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o." E, ao mesmo tempo que o desejo da narradora pelo livro aumenta, maior é a satisfação que a menina, dona do livro, tem em adiar o prazer alheio. Impedir o gozo alheio lhe dá prazer: "o plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico". Era um plano tranquilo, calmo, bem arquitetado, feito sob medida para adiar o gozo alheio e prolongar o seu.

Quando a mãe da menina descobre o que estava acontecendo, o conto tem uma virada: e a pista linguística que nos remete a isso aparece na expressão: "mãe boa", que a narradora usa para caracterizar a mãe da menina perversa. A inserção do "boa", ali, nos remete ao "seio bom" e, por conseguinte, ao "seio mau", da Melanie Klein. Para essa psicanalista, no imaginário da fantasia infantil, há uma relação objetal que se dá de diversos modos, entre eles, destaca-se a relação da criança com o seio da mãe: ela expressa sua raiva, seu ódio, aranhando e batendo no seio da mãe. Assim, ela fantasia estar se vingando do seio mau, isto é, aquele seio que não está sempre disponível, aquele seio que não sacia todas as suas vontades, aquele seio-prazer que lhe é negado. Por outro lado, a criança se relaciona, também, com o "seio bom", aquele que nutre, aquele que alimenta, aquele no qual ela adormece após a satisfação.

Nesse campo de significação, a menina que negava o livro pode ser entendida como o "seio mau", aquele que nega, aquele que castiga, aquele que faz sofrer. E a mãe da menina, ao dizer que a narradora poderia ficar com o livro pelo tempo que quisesse, se desloca para a função de seio bom: aquele que prorroga o prazer, aquele que nutre.

Quando a narradora consegue o livro, temos mais uma virada na narrativa: ao conseguir o empréstimo do livro por tempo indeterminado, a narradora não sai pulando pelas ruas com o livro, vai segurando "o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito" (como aqui não é o CTI, não posso fazer a piada óbvia hahahaha). Desse modo, o sadismo que, outrora, fora representado pela dona do livro, agora foi deslocado para a figura da narradora, que se recusa a ler o livro para que o prazer não acabe, para prolongar a sua felicidade clandestina em ter o objeto de desejo, de leitura, de satisfação, de prazer, enfim, tão perto de si e não tocá-lo, não saboreá-lo, não devorá-lo. Assim, ela se transforma na agente e no elemento passivo do ato sádico. E, como último ato erótico do conto, antes do desfecho, temos: "às vezes, sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo". (JOGO DE SEDUÇÃO, NÉ, MORES? ÊXTASE, GENTE, ÊXTASE!). Ela pode, mas não toca o livro, ou seja, preserva o desejo insatisfeito, posterga o prazer. Afinal, o contato definitivo com o objeto de desejo, ao contrário do que se espera, não gera satisfação, gera frustração.

Então, no momento final, na última linha do conto, temos o esclarecimento da metáfora que foi se construindo ao longo do conto: "Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante." (Ah, aquele livro grosso, né, dona narradora? :hihihi:).

P.S.: Vocês sabem que, quando iniciei o post, não queria começar a analisar o primeiro conto de Felicidade Clandestina, né? Cês sabem que eu me empolgo. hahahahahahah
 
Ô dona @Arringa Hrívë, a senhorita deveria votar e parar de insinuar que eu estragarei o lance democrático da escolha.
Mas é como eu disse, eu posso fazer uni-duni-tê e escolher algum para votar. Quer? Ou quer que eu vote em algum específico?

P.S.: Vocês sabem que, quando iniciei o post, não queria começar a analisar o primeiro conto de Felicidade Clandestina, né? Cês sabem que eu me empolgo. hahahahahahah
A negação também faz parte do processo afinal...

O post ficou ótimo, mesmo que eu não tenha resistido aos spoilers (e vá me arrepender depois). Como eu disse antes, sou completamente leiga quanto a Clarice, mas não fazia ideia que fosse tão carregado, emocionalmente falando.

um amigo meu disse que nunca emprestava livros.
Se alguém pedisse emprestado ele comprava um novo e dava, pra não perder o seu exemplar.
Já eu sou o oposto, depois que leio quero mais é que o livro suma da minha estante, rs
Eu geralmente não saio por aí oferecendo, mas se alguém me pede, as portas da minha estabte estão abertas. Tenho só duas coleções que não empresto, e aviso com antecedência: coleção de mangás Nausicaä (Hayao Miyasaki) e a edição comentada das Mil e uma noites que consegui. Eu tenho uma segunda, menor e que costumo emprestar, a comentada ninguém costuma pedir por ser imensa e eu confesso que fico feliz por isso.
 
Última edição:
Mas é como eu disse, eu posso fazer uni-duni-tê e escolher algum para votar. Quer? Ou quer que eu vote em algum específico?

Eu diria para você votar no que o seu coração mandar. Mas Felicidade Clandestina e A paixão segundo G.H estão empatados. Se você quiser desempatar...

O post ficou ótimo, mesmo que eu não tenha resistido aos spoilers (e vá me arrepender depois). Como eu disse antes, sou completamente leiga quanto a Clarice, mas não fazia ideia que fosse tão carregado, emocionalmente falando.

Mas você leu o conto antes de ler os spoilers, né? hahaha Porque eu botei o conto, ali, antes de começar a falar sobre ele.

A escrita da Clarice nos cativa e nos confunde. Acho que ela nos fascina justamente pela confusão que provoca, pela confusão que costura com as linhas do lirismo.
 
Mas você leu o conto antes de ler os spoilers, né? hahaha Porque eu botei o conto, ali, antes de começar a falar sobre ele.
Eu me confundi lendo no celular, então quando terminei de ler as tuas considerações, não tinha percebido que havia pulado a tag do conto. Voltei e li, ainda não me arrependi dos spoilers, talvez depois.
 
Gente, sei que o projeto "Quarentenando com Clarice Lispector" está apenas começando, mas não posso deixar passar o momento, porque não sei se passarei junto com ele, não sei se vou superá-lo ou se ele vai me superar. Por isso, preciso dizer: obrigada a todos que decidiram participar disso aqui. Poucas coisas, durante a quarentena, me deram tanta felicidade quanto este projeto, que mal começou, está dando. Eu estou me sentindo motivada, empolgada, com vontade de ler Clarice como se fosse a primeira vez: procurando a relação da sua escrita com o mundo, procurando em mim o que a escrita ilumina, procurando tecer relações entre o que leio e o que não consigo ler, entre o que ela escreveu e o que só eu, como leitora, posso escrever.
 
Felicidade Clandestina, na reta final, foi imbatível. Teve quatro votos, dois a mais do que o segundo colocado, A paixão Segundo G.H.

Conforme combinamos, hoje termina o prazo de uma semana que deixamos para que as pessoas votassem na enquete. Sendo assim, acho que já escolhemos qual será o primeiro livro de Clarice que leremos, juntos. Eu já fiz meus comentários sobre o primeiro conto do livro. Leiam o conto, que está em um dos meus posts anteriores, e comentem também. Mas, sem pressa. Vamos respeitar o ritmo de leitura de cada um.
 
Última edição:
Humm... A enquete deveria ter sido programada pra fechar no prazo estipulado.
Aqui aparece aberta pra votos, e sem votar não consigo ver o resultado "parcial". rs
 
Felicidade Clandestina, na reta final, foi imbatível. Teve quatro votos, dois a mais do que o segundo colocado, A paixão Segundo G.H.
Essa estatística é quase como na época da minha turma de TI na faculdade, onde o comentário era "essa é a primeira turma de TI diferenciada, onde temos 50% mulheres", sendo que éramos 4, pode-se imaginar a conta.

Conforme combinamos, hoje termina o prazo de uma semana que deixamos para que as pessoas votassem na enquete. Sendo assim, acho que já escolhemos qual será o primeiro livro de Clarice que leremos, juntos. Eu já fiz meus comentários sobre o primeiro conto do livro. Leiam o conto, que está em um dos meus posts anteriores, e comentem também. Mas, sem pressa. Vamos respeitar o ritmo de leitura de cada um.
Bom, chegou o momento de ir atrás do livro e começar os trabalhos.
 
Já li o primeiro conto :smile::

Além do teor erótico do texto, como bem salientou a @Melian, percebi nele duas outras possíveis interpretações, construídas ao longo do conto: o da felicidade antecipando-se ao desejo e de como aquela é moldada no imaginário da personagem.

A própria busca da personagem pelo livro, associadas com a submissão aos caprichos da outra (dia após dia ela ia visitá-la, ver se o livro seria emprestado) já evidenciam como, de certo modo, a felicidade, clandestina, se antecipa ao consumar da vontade, uma vez que no próprio ato de desejar se projeta uma pretensa satisfação de como e quando o desejo será conquistado.

Ademais a própria felicidade, nesse processo, é construída de forma sutil no imaginário da personagem, já demonstrando que, além das sutilezas eróticas, a formação "adulta" dela provêm dos próprios sentimentos: um desejo que se revela como banal (um simples livro) mas que já carrega, em si, tons de maturidade:

"Valia mais do que me dar o livro: 'pelo tempo que eu quisesse' é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer."

"Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim."

"Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante."


Na última frase do conto e ao se retomar o título deste, percebe-se ainda mais claramente a maturidade da narrativa: o desejo, não de um livro, mas de uma pessoa; a ansiedade gerada por esse mesmo desejo; a felicidade e o querer estar por quanto tempo quiser com o que se deseja. A felicidade se revela clandestina: cheia de obstáculos e empecilhos, enche de gozo :sacou: aquele que ardentemente a deseja, afinal.
 
percebi nele duas outras possíveis interpretações, construídas ao longo do conto: o da felicidade antecipando-se ao desejo e de como aquela é moldada no imaginário da personagem.

Boa, Níralsomo! O imaginário da personagem é um reino cheio de metáforas saborosas! (Botei sem o trequinho de spoiler porque não fiz nenhuma grande revelação sobre o enredo e coisa e tal).
 
Gostei muito de Felicidade Clandestina, o conto. Não tenho muito a acrescentar depois dos lindos posts da Melian e do Níra, então só vou ressaltar que é a primeira vez que leio Clarice e, ao menos nesse primeiro contato, gostei muito da escrita. Mesmo utilizando arquétipos comuns no universo infantil escolar, e talvez até mesmo por isso, acredito que é totalmente possível se projetar em uma das duas personagens, e saboreá-las pelo tempo que quiser, como uma felicidade clandestina.
 
Em alguma página deste tópico, cheguei a comentar que era provável que eu terminasse de reler Felicidade Clandestina antes que terminasse de reler Jane Eyre. E não é que isso se confirmou? Terminei o livro da Clarice na sexta e, só hoje, termine o da Charlotte Brontë.

Bom, para não fugir ao tema do tópico, uma coisa que pude observar na releitura de Felicidade Clandestina é que nem todos os contos do livro são excepcionais, um cálice de epifania e coisa e tal. Há alguns contos que são apenas ok, mas que não chegam aos pés de outros, que são, sem sombra de dúvida, um deleite.

Uma coisa que eu acho linda neste livro, é a seguinte:

O livro abre-se com uma narrativa em que uma menina se descobre mulher, se transforma em mulher. E fecha-se com uma narrativa em que um menino descobre-se homem, ao tocar nos lábios do prazer. O livro que, ao longo dos contos, desvela a relação entre o eu e o outro, une-os - eu e tu - como as duas pontas da vida (oi, Machado, meu amor!), o início e o fim.
 
Li tudo também, aqui vai uma impressão geral:
No começo de Felicidade Clandestina, quando dei uma olhada nos títulos dos outros contos e tal, pensei que seria mais um daqueles livros em que um conto, crônica, etc., pouco ou nada tem a ver com o anterior (alô, Sherlock Holmes hehe). Entretanto, conforme fui avançando na leitura, e ao observar tanto a estrutura narrativa da Lispector como o vocabulário utilizado, os contos, de certa forma, se intercalam.

A autora, munindo-se de linguagem introspectiva, adentra, por assim dizer, na mente dos personagens. É notória a falta de diálogos na maioria dos textos, assim como de uma rica descrição do lugar: Lispector, assumindo ao mesmo tempo o papel de narradora e observadora, é como que um caleidoscópio dos sentimentos que permeiam os personagens principais de cada conto: da felicidade de uma menina com um livro passando à de um garoto que bebe da fonte, metáforas de um amadurecimento pessoal; da mulher, idosa e abandonada, que morre na estrada de Petrópolis ao menino inteligente que se vê circundado pelas próprias aflições; da menina que, inocentemente, colhe rosas nos jardins alheios à (mesma?) menina que adorava galinhas.

De um modo geral, cada personagem de cada conto ganha sua própria aflição: nenhum é ordinário, ou está presente em lugares comuns, mas, viajando no imaginário de Clarice, refletem a própria extraordinariedade. Todos os contos, claro, tem particularidades: uns falam da felicidade, outros de melancolias; uns versam sobre maturidade, outros, sobre a infância. Lispector, enfim, ao longo de todo o livro, quer nos passar o seguinte ponto: a felicidade, afinal, pode ser achada nas situações mais estranhas e nos lugares mais adversos, basta capturarmos o nosso próprio interior.
 
Tenho um colega de trabalho, professor de História, que sempre que a gente tem uma reunião na escola ou um momento de confraternização, fala: "Quem vai falar palavras bonitas para nós?" Quando terminei de ler o post do Nírasolmo, quase falei: OBRIGADA POR FALAR PALAVRAS BONITAS SOBRE FELICIDADE CLANDESTINA PARA NÓS!

Eu estou enrolando para começar a fazer comentários sobre os outros contos para que os outros participantes do projeto não se sintam pressionados e pensem que terão de ler o mais rápido possível e tal. Como já falamos: cada um no seu tempo, é para ser uma leitura prazerosa, ok?
 
Sinto informar que ainda não comecei a ler Clarice Lispector, pois pretendo primeiro encerrar um dos vários livros que estou lendo. Ainda bem que não fizeram um cronograma para esse livro.
 

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