Como acho que a leitura do resto do povo está empacada, vou vir aqui falar um cadinho sobre algumas coisinhas. O conto Perdoando Deus tem uma das frases mais maravilhosas do mundo (tirando a que já foi citada pelo Níra): Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.
Tentação é um conto sobre o qual já se falou à exaustão (pelo menos, no âmbito da crítica literária hahahaha), mas ainda é bacana lembrar da ideia da bolsa como objeto transicional, né? O processo de identificação entre a bolsa, a menina, ruiva, e o basset, ruivo é bastante interessante. E, sem contar que, antes que o basset aparecesse, já havia uma imensidão de metáforas quentes, recuperadas pelas palavras: calor, flamejava, faiscante.
É intrigante, também, a bolsa que a ruiva segurava. Uma bolsa com alça partida. Rompimento de algum laço? Alça como metáfora para o cordão umbilical?
Um conto do qual eu gosto, mas com o qual sempre me irrito, é O ovo e a galinha. Ele é muito bom, mas muito repetitivo (e, sim, eu sei que a repetição, nesse conto, é um recurso formal), e ele joga umas verdades inconvenientes na cara da gente, como, por exemplo: Entender é a prova do erro; amor é quando é concedido participar um pouco mais; amor é não ter. Obrigada, Clarice.
Algo que acho sublime nesse conto é o jogo que se pode estabelecer entre a tentativa de se inventar o EU e de se capturar uma suposta existência da GALINHA. O eu é um desenho, uma representação, como o é o desenho de uma galinha feito pelo vizinho e, por isso, já perdido, já inválido, já impossível de representar a realidade. É na enunciação que a galinha existe, é na enunciação que o eu existe.
Por enquanto, fica nisso. Depois, falo mais um pouquinho sobre outros contos.