E você acha que os Old Gods existem de fato? Como entidades, do jeito que os seguidores parecem acreditar? Eu acho que os primeiros seguidores, os filhos da floresta, tinha sim um dom xamânico, mas o que eles ouviam e viam também era a memória e a voz da Natureza. Por isso que isso entalharam rostos nas árvores, pois os greenseers entre os filhos da floresta achavam que as memórias da Natureza eram vozes de deuses. Avançando mais pro futuro do culto, parece que é possível olhar através das árvores-coração não apenas no presente, mas em todas as direções do tempo. Não lembro bem, mas acho que Bran consegue ver seu pai no passado e sua voz atravessa o tempo, embora seu pai não entenda o que ouviu. Esse tipo de situação só deve ter reforçado a crença de que realmente existiam entidades divinas e que elas se comunicação através dessas árvores.
Mas não há contradição alguma na existência do poder da Natureza e dos deuses antigos. A mim parece que os deuses antigos são baseados em algum tipo de paganismo germânico, com leves reminiscências nórdicas, mas muito mais céltico ou eslavo (a predominância do Norte nas narrativas dos Primeiros Homens parece reforçar o contexto eslavo). Isso traz muitas consequências interessantes, visto que, como sabemos, o xamanismo é um fenômeno universal na história das religiões (embora predominante em religiões com uma certa estrutura específica, tribal, com enfoque na mágia, ligada a comunidades semi-nômades ou recém-sedentarizadas), mas a área principal e mais emblemática de uma cultura propriamente xamânica seja a siberiana. Falo aqui do Centro da Ásia, dos quirguizes, yakutks, esquimós, diversos povos fino-úgricos, turco-mongois, turânicos de maneira geral. Eu vejo mais a cultura dos Primeiros Homens como a de um povo eurasiano, ou seja, que combina algo das estruturas bélicas e expansionistas dos ândalos com um nomadismo místico que é mais perfeitamente expresso no xamanismo em todas as suas confluências espirituais e sociais.
O segundo ponto é a história da Rus, e não apenas da Rus, mas dos mongols, dos eslavos de forma geral, de diversos povos asiáticos com uma cultura expansionista e suas crenças em uma realeza sagrada em uma estrutura nomádica de poder militar e imperial. Os Primeiros Homens parece que tentaram realizar algo assim mas descobriram algo ainda maior com os filhos da floresta, talvez esse encontro tenha sido o marco de uma nova civilização que perduraria por milênios, diretamente relacionado à proteção quase iniciática de um segredo, de um Mal que se encerra no Norte longínquo, quase metafísico, mais ou menos como criam os impérios nômades, o da transcendência pela expansão militar interminável por estepes geladas intermináveis...
Mas eu estou viajando...
O principal seria entender como se relaciona com aquela estrutura social e política o relacionamento dessa primeira civilização westerosi com suas divindades. Além de espíritos da natureza, personificações de poderes naturais, em estreita relação com a arboridade e montanhosidade e todo seu simbolismo ligado à sabedoria perene, à transcendência pela terra, a vida que nasce, se desenvolve frutuosamente, morre e renasce eternamente no Ventre Eterno de uma Matriz de Vida Primordial, a matéria informe do Demiurgo.
Totalmente oposta a essa visão seria a ideologia política da Fé dos Sete, absolutamente solar na sua imperialidade aristocrática e estratificação por castas, com uma noção formal, ideal, de puro espírito na transcendência, transcendência pela guerra de reinos poderosos uns contra os outros, mas mantendo certa união ecumênica pela Fé Comum, como ocorria na cristandade medieval.
A podridão moral e política que reina em Westeros, principalmente no Sul, onde predomina o elemento ândalo e um amolecimento burguês das virtudes guerreiras, a troca da renúncia ascético-guerreira pelo conforto material de elites opulentas, é algo que sempre vi como a decadência de um Império ariano, como os dias finais de Roma.