Existe outro ponto além da morfologia da religião dos Primeiros Homens e sua comparação com a morfologia das religiões xamânicas do nosso mundo. Os deuses antigos são cópias perfeitas de deuses xamânicos, desde sua incorporação em árvores, essas árvores como 'portais' para uma outra Natureza (uma versão mais interiorizada da mesma Natureza), sua transmissão de poderes de clarividência para seus escolhidos. Fora toda a estrutura igualmente xamânica do wargismo.
O que eu quero chamar a atenção aqui é o seguinte.
O que nós consideramos como 'deuses', fora da perspectiva monoteísta, normalmente é o panteão greco-romano. O problema é que esse panteão não só não é tão imutável como parece como em si mesmo tem uma estrutura muito mais complexa, com muitas divisões, sub-divisões, camadas teológicas e teogônicas, bem como cosmogônicas e cosmológicas, que refletem a complexidade da ciência sagrada helênica. Quando se fala dos deuses olímpicos, então, você fala de apenas uma porção mínima desse panteão e com uma função de mando, de governo, de poder, e isso se refleta na sua forma, uma forma humanizada como a indicar a projeção humana de suas virtudes políticas bem como o modelo político a ser seguido pelas monarquias micênicas. É um modelo muito próximo ao das antigas aristocracias ândalas.
O que eu quero dizer é que a forma dos deuses pode variar imensamente de tradição para tradição. Você pode até agrupar deuses de diferentes tradições através de estruturas religiosas comuns mas essas estruturas são muito variadas também. Assim essa questão da existência dos deuses é mal formulada. A existência dos deuses para os gregos, por exemplo, era indiscutível. O que era discutível era se sua essência estava corretamente representada em suas imagens físicas e psíquicas, se era correto lhes atribuir sentimentos e comportamentos bem como um corpo, por mais perfeito que fosse, antropomorfizado. Mas mesmo assim se esquece que essa antropomorfização obedece a um sentido simbólico específico: ela serve para humanizar aquilo que é numinoso para divinizar, numinar, o que é humano. A transcendência do homem dificilmente seria vinculada sem um aporte antropomorfizador da divindade.
Logo, não faz o MENOR sentido perguntar 'é trabalho dos deuses ou da Natureza', simplesmente porque uma coisa não exclui a outra. Os antigos, como os gregos, atribuíam a natureza a uma série de hipóstases divinas e isso não implicava que esses agentes não fossem 'naturais', eram naturais de forma excelente, mas eles não implicavam nenhuma dualidade entre 'divino' e 'natural'.
Essa dicotomia vem da dicotomia ocidental entre 'graça' (atribuída a uma intervenção divina) e 'natureza' (as leis naturais divinamente instruídas, sem interrupção, na verdade, mais um fetiche racionalista que outra coisa), que já revela uma decadência da experiência religiosa da natureza, que a coisifica em relação a conceitos teológicos sem representatividade espiritual. Mas esse não é o mundo dos Primeiros Homens.
Para mim, os Primeiros Homens desconheciam qualquer dicotomia entre 'graça' (os deuses que o
@Grimnir apontou) e 'natureza' (conforme elencada de forma fetichizada por aqui também), mas que a Natureza É os deuses antigos conforme a experiência religiosa desse povo, da mesma forma que os deuses antigos SÃO a Natureza. Um não exclui o outro, mas antes o implica. A Natureza age pelas suas leis mas essa ação também implica uma agência menos óbvia, mais sutil, dentro do processo de desenvolvimento dos Destinos do Mundo e que essas agências hipostáticas, pessoais, divinas, exercem e relação aos deuses.
O único totalmente 'Outro' com relação à Natureza é o homem, mas os deuses antigos representam uma face terrestre, telúrica, material da humanidade, seu aspecto imanente, sereno, movente-mas-sereno, vital, sua 'mesmidade' em contraste à 'outridade' da transcendência que é proporcionada por outro tipo de experiência religiosa, encarnada em outras formas religiosas, em outros tipos de deuses, como no caso dos ândalos.
Da mesma forma dizer que um fenômeno é não-natural só faria sentido para homens que houvessem perdido o fio da unidade, da integração total entre o divino e a Natureza. Isso é paganismo.
Confirmem,
@Glonduil e
@Lissa .