''Em matéria de continuações, eu ainda prefiro 'X-Men 2''', adianta o crítico sobre ''Reloaded''
por Rubens Ewald Filho
Vamos logo ao que interessa: ''Matrix Reloaded'' é tão bom quanto se esperava? Infelizmente não. Em matéria de continuações, eu ainda prefiro ''X-Men 2''. É verdade que o longa tem duas seqüências espetaculares: obviamente a luta de Neo contra os diversos (falam em cem) Agentes Smiths e a extraordinária perseguição de automóvel na auto-estrada que dura 14 minutos (ambas, porém, parecem gratuitas). Fora delas, as outras lutas são repetitivas, há excesso de conversa, de bate-papo, de filosofadas, de pseudo-discussões.
''Matrix Reloaded'' pára várias vezes e náo tem a menor intenção de esconder que se trata de apenas dois filmes divididos e que termina com um ''Continua...'' (quem tiver paciência de ver os intermináveis letreiros assistirá um trailer de ''The Matrix Revolutions'', que deve estrear em novembro, mas é curto e não explica muita coisa. Dá para ver, porém, que o duelo final será na chuva torrencial e voltam a atacar aqueles polvos mecânicos e explosivos).
Pode ser também que a crítica em geral não esteja preparada para lidar com algo novo e cultuado. Não há dúvida que o primeiro ''Matrix'' revolucionou o gênero e que é uma ousadia lançar os dois episódios no mesmo ano (ainda mais quando se sabe que os efeitos do segundo ainda não estão nem 30% prontos). Aliás, não vou entrar nos bastidores da filmagem, que podem ser até mais interessantes que este comentário.
O filme teve vários problemas com mortes (Gloria Foster, que faz o Oráculo, já faleceu mas está na fita; Aaliyah morreu antes de concluir seu pequeno papel e foi substituída pela filha de Marvin Gaye); e com os diretores irmãos Warchowski, que não dão entrevista de jeito nenhum, são mais difíceis que Greta Garbo (eles naturalmente não vieram ao Festival e foram substituídos pelo produtor Joel Silver, que não tinha muito a declarar).
Basicamente ''Matrix Reloaded'' é um grande videogame, com filosofia de vida inspirada em budismo (não esqueçam que Keanu Reeves fez o papel do próprio Iluminado em ''O Pequeno Buda'' e aqui está tão magro quanto naquele personagem), mitologia grega (os nomes dos personagens) e uma moral até religiosa (baseada no conceito de escolha).
Não é preciso estar com o primeiro ''Matrix'' ainda vivo na sua memória, porque este ''Reloaded'' basta por si. Ao menos dá para entender os princípios básicos de que há uma guerra entre os homens e as máquinas que desejam destruir o reino de Zion (francamente fiquei chocado e não consegui entender como toda a população do reino parece se divertir no que é basicamente uma grande orgia, em forma de rave, todos dançando enquanto tocam tambores eletrônicos, mistura de Techno com Olodum, tudo isso enquanto Neo transa com Trinity, no que me deu a impressão de ser uma situação onde ela vai engravidar na próxima fita. Ainda que caibam dúvidas quanto ao fato de Neo ser o Escolhido, tudo pode ser uma mentira, outra ilusão criada pela Matrix).
Enfim, a cena da orgia deixa uma impressão esquisita e errada, que povo é esse que transa assim? Brasileiro? Não entendi a proposta, ainda que o filme se esforce para ser ''R'', ou seja, não para menores, pré-adolescentes ou crianças, nem tanto pelas cenas (a violência é de videogame e Neo só vai matar alguém e sem sangue, fora da câmera depois da metade do filme).
Não gosto de muita coisa. O começo, por exemplo, que é um sonho, uma maneira velha de começar qualquer filme de ação, quando não tiveram nada melhor como proposta (mesmo o final não gera tanto suspense, não é um gancho tão forte quanto se podia esperar). Como o primeiro ''Matrix'' foi muito imitado, havia toda uma pressão para criarem algo de novo além do efeito que chamam de Bullet Time (quando Neo fica suspenso no ar). Até que conseguem, na luta com os múltiplos Smiths (Hugo Weaving), mas acho duro de agüentar o conceito de Neo voar (embora brinquem na fita dizendo que ele esta dando uma de Superman). O fato é que fica muito simples: quando há problemas, lá vai ele voando como o Superman; resgata as vítimas ou foge da luta e pronto. Muito simples e infantil para a proposta da fita. Parece apelação e fora de propósito.
Depois de ler tanto sobre a fita (fato raro comigo), de certa maneira já esperava quase tudo (a verdade é que ler a respeito ajuda porque o filme é bastante complexo, o que vem a ser um mérito nesta época em que tudo que é filme tem sido para débil mental, este pode provocar mesmo certas discussões e nada do que eu digo é definitivo, apenas uma primeira impressão).
Mas gostei especialmente da figura de Lambert Wilson, pouco mencionada nos EUA, que faz o traficante Merovingian, que mantém o Chaveiro. Ele faz com muito humor uma brincadeira com a língua francesa (que segundo ele é a melhor para dizer palavrões). O que naturalmente funciona muito bem aqui, onde todo mundo entende o que diz (aliás, não foi legendado). Monica Bellucci, que faz sua companheira, tem poucas cenas (mas ela continua linda; aliás, pessoalmente ela conseguiu o milagre de ficar ainda mais bela; arrasou na chamada conferência de imprensa, ou seja, entrevista coletiva). O grande mérito do filme é, sem dúvida, da figurinista, que criou as roupas mais cool do cinema moderno (a batina de Neo, com os óculos escuros, por exemplo). E milagre, Keanu Reeves esta até razoável como ator, não compromete em momento nenhum (pessoalmente, está mais feio, com a cara esquisita, mas simpático, ainda que monossilábico como sempre). Laurence Fishburne deveria ter feito um regime para perder peso e retomar a forma (em Cannes veio com cabelo crescido e confirmou mais uma vez que realmente ira dirigir e estrelar ''O Alquimista'', de Paulo Coelho, com quem pretende se encontrar semana que vem em Paris). Carrie-Anne Moss apareceu grávida em Cannes e quase não falou (obviamente muito diferente do filme, onde está atlética, mas nesta fita virou mais interesse romântico de Neo e tem menos ação). Jada Pinkett, baixinha e gordinha, tem pouco a fazer na fita (dizem que estrela apenas o videogame novo).
As pessoas com quem falei não gostaram muito do filme, mas estão longe de ser seu público-alvo. Alguns levantaram a questão do filme ser à prova de crítica. Sem dúvida, isso é verdade, mas também é fato que filme nenhum consegue corresponder a uma expectativa tão grande quanto a que foi criada. Talvez quando vermos os três filmes em seguida a impressão mude, mesmo porque muita coisa ainda fica no ar, muitas coisas foram expostas e agora formuladas, precisam ainda ser absorvidas. Está longe, porém, de ser um desastre ou um filme ruim. Seu impacto, entretanto, não é tão imediato. Acho que também o primeiro não foi. Ou seja, é um raro filme de ação que merece e precisa ser visto de novo. Não que não dê para entender, mas para saboreá-lo com mais cuidado.
Fonte: E-Pipoca