Aconteceu, porém, de se aproximar o fim da bem-aventurança, e de a tarde ensolarada de Valinor chegar ao seu crepúsculo. Pois, como foi dito e como todos sabem, por estar escrito nos registros das tradições e por ter sido cantado em muitas obras poéticas, Melkor abateu as Árvores dos Valar com o auxílio de Ungoliant e escapou, voltando para a Terra-média. Muito ao norte ocorreu o confronto entre Morgoth e Ungoliant; mas o terrível grito de Morgoth reverberou por toda a Beleriand, fazendo toda a sua gente encolher de medo. Pois, embora não soubessem o que o grito prenunciava, o que estavam ouvindo era o arauto da morte. Pouco depois, Ungoliant fugiu do norte e entrou no reino do Rei Thingol, e um terror de escuridão a cercava. Contudo, pelo poder de Melian, foi impedida de prosseguir, e não entrou em Neldoreth, mas permaneceu muito tempo à sombra dos precipícios pelos quais Dorthonion se estendia em direção ao sul. E esses passaram a ser conhecidos como Ered Gorgoroth, as Montanhas do Terror, e ninguém ousava ir até lá ou passar por perto. Ali, a vida e a luz eram sufocadas; e todas as águas, envenenadas. Morgoth, porém, como já se relatou, voltou para Angband e a reconstruiu. E acima de seus portões ergueu as torres fumegantes das Thangorodrim. E os portões de Morgoth estavam a apenas setecentos e cinqüenta quilômetros da ponte de Menegroth: distantes e, entretanto demasiado próximos. (...)
À margem esquerda do Sirion ficava Beleriand Oriental, que na sua maior largura media quinhentos quilômetros, do Sirion até o Gelion e às fronteiras de Ossiriand. Em primeiro lugar, entre o Sirion e o Mindeb, ficava a terra deserta de Dimbar, à sombra dos picos de Crissaegrim, morada de águias.
Entre o Mindeb e o curso superior do Esgalduin ficava a terra de ninguém de Nan Dungortheb; e essa região era impregnada de medo, pois, de um dos lados, o poder de Melian fechava o marco setentrional de Doriath, mas, do outro, os abruptos precipícios das Ered Gorgoroth, as Montanhas do Terror, despencavam das alturas de Dorthonion. Para ali, como foi relatado anteriormente, Ungoliant fugira dos açoites dos balrogs; e ali ela viveu por um tempo, enchendo os desfiladeiros com sua escuridão fatal; e ali ainda, quando ela se foi, sua prole abominável se escondia e tecia suas teias nefastas. E os fios da água que escorriam das Ered Gorgoroth eram contaminados e perigosos, pois o coração de quem os provasse se enchia de sombras de loucura e desespero.
Todos os seres vivos evitavam essa terra; e os noldor passavam por Nan Dungortheb somente em caso de grande necessidade, por trilhas próximas à fronteira de Doriath e à maior distância possível das colinas mal-assombradas. Esse caminho fora aberto muito antes, na época em que Morgoth ainda não voltara a Terra-média. E quem seguisse por ele iria para o leste até Esgalduin, onde, no tempo do Cerco, ainda havia a ponte de pedra de Iant Iaur. Dali, o viajante atravessaria Dor Dínen, a Terra Silenciosa, e, cruzando os Arossiach (que significa os Vaus do Aros), chegaria às fronteiras setentrionais de Beleriand, onde viviam os filhos de Fëanor.
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Toda essa terra estava agora impregnada do mal; e tudo que era limpo dali se afastava. E Beren foi tão perseguido, que afinal foi forçado a fugir de Dorthonion. No tempo do inverno e da neve, ele abandonou a terra e o túmulo de seu pai e, escalando as regiões mais altas de Gorgoroth, as Montanhas do Terror, descortinou ao longe a terra de Doriath. Ali entrou em seu coração o desejo de penetrar no Reino Oculto, onde nenhum mortal até então havia pisado.
Terrível foi essa viagem para o sul. Íngremes eram os precipícios das Ered Gorgoroth, e a seus pés havia sombras ali dispostas antes do surgimento da Lua. Mais além, ficavam os ermos de Dungortheb, onde os feitiços de Sauron e o poder de Melian se enfrentavam, e o horror e a loucura andavam a solta. Ali moravam aranhas da cruel raça de Ungoliant, tecendo suas teias invisíveis, nas quais todos os seres vivos eram apanhados, e monstros por ali vagavam, nascidos nas longas trevas anteriores ao Sol, caçando, silenciosos, com seus muitos olhos.
Nenhum alimento para elfos ou homens havia naquela terra assombrada, apenas a morte. Essa viagem não é considerada o menor dentre os grandes feitos de Beren; mas ele não falava a ninguém a respeito dela, para que o horror não voltasse a sua mente. E ninguém sabe como ele encontrou um caminho e assim chegou, por trilhas nas quais nenhum homem ou elfo jamais ousara pisar, às fronteiras de Doriath. E atravessou os labirintos que Melian havia criado em torno do reino deThingol, exatamente como ela própria previra; pois um grande destino lhe estava reservado.
Conta a Balada de Leithian que Beren chegou trôpego a Doriath, grisalho e encurvado, como por muitos anos de sofrimento, tal havia sido seu tormento na viagem. Entretanto, perambulando no verão pelos bosques de Neldoreth, ele deparou com Lúthien, filha de Thingol e Melian, a certa hora da noite antes do nascer da Lua, quando ela dançava na relva perene nas clareiras junto aoEsgalduin