Pobre Alice, tenta ser polida e educada com todo mundo e só leva "patada"
Também, com todos esses loucos
É, mas ela também consegue dar suas patadas pelo menos duas vezes. A primeira com o Chapeleiro quando ele diz que ela precisa cortar o cabelo e ela responde que "não se deve fazer observações pessoais" e a segunda quando a Rainha de Copas pergunta quem são as cartas no chão e ela diz que "não é da conta dela". Aliás, ela bate de frente com a Rainha umas 3 vezes.
A Duquesa parece "inofensiva", mas é tão chata tentando achar moral em tudo, fora que fica tentando colocar o queixo pontudo no ombro da Alice (o que será que isso significa? Não captei).
Não sei também. Não me parecia ter um significado fora ela ser inconveniente mesmo, fazendo isso de propósito e pegando Alice pelo braço etc. Agora que você falou, pensei que representa um pouco de Alice mostrando "polidez" social, suportando um inconveniente para não desagradar aos outros.
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Deixando meus comentários sobre os últimos 3 capítulos (10-12):
1. No capítulo 10 temos a continuação do diálogo com o Grifo e a Falsa Tartaruga sobre as diversões na "escola"/no mar. Uma nota na minha edição diz que a Quadrilha das Lagostas pode representar uma paródia das danças de salão que faziam parte da educação das moças. Como em outros poemas, esse da dança faz referência a animais querendo comer uns aos outros com o peixe (badejo?) querendo comer o caramujo e sem querer ser comido pelo marsuíno/golfinho. Representação (pessimista) da sociedade? O homem é o lobo do homem etc. Visão da sociedade (Vitoriana?) por uma criança?
2. Confesso que pela altura desse capítulo já tinha ficado um pouco cansado da apresentação aleatória de personagens com suas piadas que podem ou não ter sentido. Acho que esse possível cansaço do leitor com o absurdo/nonsense pode estar refletido por Carroll direta ou indiretamente nos comentários do Grifo e da Tartaruga como:
- Explique tudo isso, disse a Falsa Tartaruga.
- Não, não! As aventuras primeiro, disse o Grifo em um tom impaciente: explicações tomam um tempo terrível.
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- Eu gostaria de uma explicação para ele [o poema de Alice], disse a Falsa Tartaruga.
- Ela não pode explicá-lo, disse o Grifo apressadamente.
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- Para quê recitar tudo isso, a Falsa Tartaruga interrompeu, se você não o explica enquanto continua? É de longe a coisa mais confusa que eu já ouvi!
Os comentários se aplicam bem ao próprio livro. Assim como o comentário da Rainha Vermelha de Através do Espelho de que "Até uma piada tem que ter algum significado [...]" (capítulo 9). Como diz o prefácio da minha edição também: diante do livro, ficamos entre as atitudes de Alice e do Rei no julgamento final (cap. 12) de procurar sentido nas coisas ou de não ver nenhum em nada ("Nem um átomo de sentido!")
3. A canção da Sopa tem uma adaptação boa no filme da Hallmark de 1999. Não consegui achar a versão original do filme, mas achei uma regravação no Youtube. Ficou boa também:
A letra parece ser tirada das palavras de um vendedor de rua que quisesse vender sua imitação de sopa de tartaruga de verdade rs, falando das qualidades da sopa etc. Parece que era um prato barato na Era Vitoriana.
4. O julgamento dos últimos dois capítulos é bem engraçado com o testemunho do Chapeleiro, a regra 42 ("A mais antiga do livro!) etc. A confusão do Chapeleiro e o ato falho que ele comete ao dizer que o "chá começou a brilhar" quando vê a rainha (lembrando do recital em que a Rainha disse que ele estava "Matando o tempo!" ao recitar errado) lembra o de Alice quando, falando com o Rato, não queria citar gatos ou cachorros e acabava sempre fazendo isso. É como parece funcionar nossa cabeça, às vezes. A gente se policia para não mencionar algo e acaba mencionando. (E a análise psicanalítica do texto devia adorar isso).
5. No julgamento nós também temos um reflexo do poema do Rato no capítulo 3 que parecia ser sobre "a razão do mais forte", pra citar La Fontaine. Um pouco sobre quem tem autoridade, sobre cadeia alimentar e uma caçada. E a razão do mais forte acaba sempre na morte do mais fraco, como as sentenças da Rainha e do Rei, mostram também.
6. No final temos um sonho ou a imaginação da irmã de Alice. Me parece representar a ideia da infância como uma Idade de Ouro, de inocência, e o desejo de voltar a ela, algo que tinha sido inaugurado pelos românticos e com Rousseau. A ideia de infância era nova, segundo alguns historiados. Essa ideia de Idade de Ouro da vida não era válida para todas as crianças da época. Lembrar que Alice era de uma família relativamente rica. As crianças pobres que trabalhavam sei lá quantas horas nas fábricas provavelmente não concordavam com a ideia.
6.1 Virginia Woolf tem um texto em ela diz que Alice no País das Marvailhas nos faz voltar a ser crianças. Se é isso mesmo a própria irmã dela foi sua primeira vítima... Por acaso, parece que o texto foi traduzido (
http://oglobo.globo.com/cultura/liv...-de-ponta-cabeca-como-uma-crianca-ve-16233330), mas não li ainda. Fiquei sabendo dele por uma nota.