Esquerdopatia oportunista eleitoral
Por
Antonio Delfim Netto
Quando vejo a dificuldade do governo em reconhecer os óbvios exageros da orientação política que imprimiu à economia, porque acredita que isso diminuiria o que supõe ser a sua autoridade, não posso deixar de lembrar a expiação pública de um honestíssimo cabeça dura que conhecia, "a priori", todas as respostas certas até para as perguntas erradas, o ilustre presidente Ernesto Geisel.
Em dolorosa mensagem televisiva aos brasileiros, em 1976, quando teve que anunciar, compungido, a necessidade absoluta de abrir áreas de exploração do petróleo a empresas privadas através de contratos de risco, confessou: "Entendo os que são contra, porque até agora eu também fui". Com a grandeza que todos continuam a reconhecer-lhe, pagou naquele instante, diante de toda a nação, o que talvez tenha sido o maior erro de toda a sua longa, reta e brilhante carreira de aluno de escola militar ao generalato e, depois, à Presidência da República.
Para entender o drama é preciso lembrar que a crise do petróleo nos fora antecipada por um grande amigo do Brasil, o então ministro de Finanças francês Giscard d'Estaing, que depois foi presidente da França. O presidente Médici convocou uma reunião de ministros para avaliar a informação e tomar a decisão que dela emergisse. Foi convidado também o então presidente da Petrobras, o general Ernesto Geisel. Depois de ouvir incomodado e com muito mau humor o que parecia ferir-lhe a "autoridade", sentenciou do alto de sua prepotência (reforçada pelo fato de que já sabia ter sido "escolhido" para suceder Médici): "Não devemos fazer nada. Quem aqui entende de petróleo sou eu".
Presidente, reconheça seus erros. Assuma o seu protagonismo
Fomos todos para casa esperar a crise! Em 1976, quando o futuro já era passado, reconheceu o erro. Se tivéssemos tomado a medida em 1973, ela provavelmente teria mitigado as dificuldades que se abateram sobre a economia brasileira. Quando a crise nos pegou de "surpresa", a produção de petróleo nacional cobria apenas 20% da nossa necessidade!
O reconhecimento de erro, quando resultado de medidas tomadas com honestidade de propósito, mas, infelizmente, com falsas premissas (a informação é sempre menos do que completa e a realidade sempre mais complexa do que parece), ou sugeridas pelo pensamento mágico construtor de sua própria "realidade", não é um ato de humilhação. É um ato de grandeza! Insistir no erro como parece sugerir o PT, por acreditar que as mesmas causas podem produzir efeitos diferentes, é apenas mais uma manifestação da sua miopia ideológica.
É hora de encarar os fatos: o sistema capitalista, com todas suas injustiças e misérias, foi o único que sobreviveu, até agora, à seleção histórica e "provou funcionar" no longo prazo, como mostram os países hoje desenvolvidos, sob o regime democrático. Ele revelou, desde a sua origem, uma trindade maléfica. Apesar de proporcionar o aumento da produtividade do trabalho compatível com a relativa liberdade individual, ele, por si mesmo, é incapaz de acabar com a pobreza, reduzir as desigualdades e estabilizar o emprego.
Trata-se, entretanto, de uma estrutura social e produtiva com imensa capacidade de adaptação. Só sobreviveu, porque a organização dos trabalhadores criou o sufrágio universal. Com ele controlou-se o poder que adquiriu o capital com sua separação do trabalho criada pelo reconhecimento da propriedade privada.
A superação dos seus inconvenientes, sem jogar fora a liberdade individual e a eficiência produtiva, exige um Estado forte, constitucionalmente limitado, capaz de regular os "mercados" (principalmente o financeiro) e garantir o livre funcionamento do sufrágio universal, impedindo o poder econômico de controlá-lo.
Na "urna", cada cidadão deve ter, efetivamente, apenas um voto. O seu amadurecimento, a sua educação e a sua experiência aperfeiçoarão o jogo continuado entre o "mercado" e a "urna", o que o aproximará da utópica sociedade civilizada que busca. Nela, a liberdade para realizar mais plenamente a sua humanidade, a relativa igualdade de oportunidade e a relativa eficiência econômica se compatibilizam. O "capitalismo" nem é eterno, nem é necessário. É apenas útil!
Estamos presos numa armadilha. Sem a perspectiva de equilíbrio fiscal num prazo de três a quatro anos, não haverá a confiança necessária para promover a volta dos investimentos, e com ele, o crescimento e o emprego. E sem a volta do crescimento e do emprego não haverá equilíbrio fiscal. Presidente, reconheça seus erros. Assuma o seu protagonismo. Leve ao Congresso, enquanto é tempo, as propostas de reformas constitucionais e infraconstitucionais que darão funcionalidade à economia brasileira e convoque, como fez na guerra ao
Aedes aegypti, a sociedade para apoiá-las.
É hora de enfrentar a esquerdopatia eleitoral oportunista que esconde o corporativismo do PT. É ela que parasita o seu governo e se opõe às mudanças estruturais. Sem isso será impossível cooptar a oposição civilizada para ajudar a reconstruir o desenvolvimento econômico do Brasil.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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