(Disclaimer: Valinorianos bolsonaristas, vou dizer muita coisa que vocês não vão gostar, mas atenção: quando falo de pessoas desequilibradas, não estou falando de vocês. Estou falando de uma minoria*
1. A não ser que vocês digam ou hajam em contrário, não acredito que vocês participem de linchamentos reais ou virtuais, e acredito que vocês sejam a favor de uma imprensa livre, da democracia plena, do pluripartidarismo e da dignidade da pessoa humana independentemente de credo, etnia, gênero, condição física e social etc.)
*1 as minorias desequilibradas que cometem crimes não representam a maioria, óbvio, mas não pode ser desconsiderada (e há pessoas assim em todos os espectros político, óbvio). Este estudo argumenta que 1% da população é responsável por 63% dos crimes violentos cometidos. Desconheço algum estudo semelhante no Brasil, mas o site Politifact mostra que de fato, é uma minoria que comete a maioria das infrações e isso não se restringe ao contexto americano.
Na minha humilde opinião:
1) A galera de esquerda tem razão para estar assustada
A mensagem do Bolsonaro é, sim, concreta e objetivamente ameaçadora e intimidatória - e quem encontra o alvo nas próprias costas não pode ser dar o luxo de conceder o benefício da dúvida ao seu algoz (perdoe o meu francês, não encontrei um termo mais apropriado). Não é necessário ser de esquerda para entender isso. Entendo a galera de direita que se sentiu com o alvo nas costas por causa do "politicamente correto" e acho que a esquerda tem uma parcela de culpa
muito grande nessa revolta contra o progressismo, pq cometeu erros grotescos*
2. Mas ser xingado e menosprezado é uma coisa, outra coisa é ouvir verbatim que você vai morrer. Cara, quer xingar a esquerda de estúpida, corrupta, usar todo o baixo calão existente, você perde meu respeito, mas vai em frente, viva a liberdade de expressão. A arena pública é pra quem tem casco grosso mesmo. Mas um aspirante a chefe de Estado dizer que vai fuzilar seja quem for é inadmissível, mais inadmissível ainda quando não houve esforço algum para garantir que aquilo era figura de linguagem. Já que gostam tanto do Churchil, vão aprender com ele a arte do insulto.
Estou completamente aberta a quem discorde veementemente desse ponto. Aliás, se algum dos valinorianos bolsonaristas aceitarem o desafio, me provem que não há razão alguma para a esquerda estar preocupada, principalmente homossexuais, feministas e militantes do movimento negro. Eu não tenho problema nenhum em mudar de opinião e em reconhecer meus erros. Por exemplo, já fui a favor do aborto, não sou mais.
2) A coisa pode acabar
muito ruim mesmo para a esquerda, mas não tão distópica quanto dizem (
calma)
Acho que o
@Haran Alkarin tem razão ao achar que a galera tá exagerando na análise.
Eu não garanto nada, óbvio. Mas o que vou escrever aqui nesse parágrafo é muito
frio, objetivo e altamente concessivo, ok? Não pulem para conclusões ainda.
Se o Bolsonaro ganhar, duvido que uma ditadura militar à moda de 64 entre em vigor um mês depois. Pode haver uma regressão do nosso status de democracia frágil para um estado de semiautoritarismo, mas acredito que pare por aí, pelo menos nos primeiros 4 anos. Ele vai sim descredibilizar a imprensa (já o faz), mas duvido muito que feche jornais. Ele pode sim, usar desinformação (já o faz, seja por ingenuidade, malícia ou simples omissão) e congelar o avanço da transparência, mas é muito improvável que a gnt deixe de ter acesso aos dados do governo. Acho que vai haver um pico de violência física e verbal após as eleições e aumento da hostilidade no geral, mas é provável que não haja qualquer tipo de política que faça a regressão dos direitos atuais de forma autoritária e inconstitucional. Policial vai ganhar direito de atirar primeiro e perguntar depois, tá no plano de governo - isso ultrapassa toda minha capacidade de conceder o benefício da dúvida ao Bolsonaro, e isso só já é suficiente para eu ser militante contra ele. Mas isso não é o 3º Reich, é só os Estados Unidos (de novo, estou sendo fria, calculista e altamente concessiva).
Acho incrível como a esquerda brasileira não aprendeu nada com a eleição americana e tá fazendo questão de repetir os mesmos erros dos democratas, putz grila. @Haran Alkarin, pode botar isso no meu bolão de apostas para o próximo governo
(Se o Bolsonaro não ganhar, aí não sei. Eu pessoalmente acho que pode rolar golpe, sim, aí ferrou a parada toda, esqueçam tudo o que escrevi acima, qualquer concessão ou passapanagem.
Mas,
@Thor,
@Haran Alkarin, vocês acham que periga de ter golpe militar se o Bolsonaro perder a eleição? Vocês apoiariam
de fato a instauração de uma ditadura liderada por Bolsonaro/Mourão? Vocês lutariam pela democracia num contexto desses?)
Agora, chegando às conclusões desse ponto: esse sistema é aceitável? Óbvio que não, não, mil vezes não. Um homossexual que morra, uma mulher que apanhe, qualquer violação dos direitos humanos que ocorra por causa de um desequilibrado que se sentiu validado por Bolsonaro já é ruim o bastante. Vejam: não acho que o cidadão comum vai, de repente, virar fascista. Acho que os fascistas e desequilibrados é que vão soltar a franga, e isso é ruim o bastante a ponto de eu não querer votar em quem abra a porta do galinheiro (é um trocadilho com o "soltar a franga"). É por isso que eu sou a retrô que teima em exigir sabedoria, diplomacia e sensatez de um chefe de Estado. Desequilibrados vão existir sempre, mas esse desequilíbrio ganhar força por causa da persona de um chefe de Estado é absolutamente inadmissível.
3) Bolsonaro pode ser traído
Os laços militares e militarizantes do Bolsonaro são tão claros quanto a luz do dia. A direita pode minimizar (e a esquerda, exagerar) esse aspecto, mas ele é inegável. Como tudo no mundo, isso pode trazer seus benefícios, sim. Mas lembrem-se que temos um capítulo grande na nossa história que inclui torturas e execuções. Os fins não justificam os meios. Da mesma forma que o progresso na China não justifica a repressão, tortura e execução dos chineses, e da mesma forma que qualquer progresso trazido pelos governos comunistas, nazistas e ditatoriais não justificam o genocídio causado, se o Bolsonaro resolver usar métodos de repressão condenáveis aos quais ele já declarou apoio (e quem o defende que tenha a honestidade de reconhecer que ele se declarou pró-tortura), já era. Mas aí já vai ser tarde demais.
O próprio Bolsonaro pode, ao chegar no governo, suavizar o tom e o flerte com a ditadura (duvido um pouco), mas quem garante que ele próprio não seja traído pelos militares que o apoiam? Vamos supor que a direita tome uma postura exemplar e de boa fé, e ainda hoje assegure aos esquerdistas por palavras e ações que essa militarização vai ter limites democráticos. Mas lá está o problema: depois de se aconchegarem confortavelmente em escolas e ministérios, e continuando donos da força bruta, quem é que vai conseguir dizer aos militares: "olha, já chega, vocês foram longe demais"? Quem garante que o Mourão não vai ser Temer II, a volta dos que não foram? E isso acontecendo, como é que fica? Esse risco não justifica o progresso, a não ser que a direita, de repente, ache o risco de comunismo justificável.
Pra concluir a parada toda: acho que a gente precisa ser mais honesto nos nossos diálogos. A esquerda precisa parar com essa palhaçada patronising
(ai que fogo me sobe nas orelhas toda vez que eu leio "você não sabe interpretar texto?", ou quando encontro "religiousplaining" de gente que nunca leu a Bíblia inteira, nunca ouviu falar de hermenêutica e acha que o céu é literalmente rua de ouro. Haja paciência.), parar de "tirar a plataforma" de quem pensa diferente e tratar de ter argumentos melhores considerando o interlocutor à frente que funciona com uma lógica diferente. Bora tomar um suquinho de maracujá, meu povo. Do contrário, a esquerda vai se tornar (já está se tornando) exatamente aquilo que rejeita do outro lado. A direita, por sua vez, também tem que parar com essa palhaçada de passar pano pra qq idiota que apareça propondo avançar suas pautas ainda que isso fira a dignidade da pessoa humana (dignidade não é apenas integridade física) e parar de negar a certos aspectos da realidade também.
(Fico fula com gente que é pró-vida até à morte, mas depois relativiza direitos humanos e não quer pagar o preço, literal e figurativo, de dar dignidade ao bebezinho que conseguiu salvar. Morrer na barriga não pode, mas matar fora dela talquei, né. Ahvá.) A direita é ótima em ver a crueza do mundo, mas acho uma lástima que só use essa capacidade no que lhes interessa.
Vou terminar com um exemplo: todo mundo odeia criminalidade, todo mundo quer justiça. Mas ninguém aceitar fazer concessão de bosta nenhuma pra chegar a esse objetivo, que raio. As nossas formas de olhar o mundo (direita/esquerda) não são mutuamente excludentes, são complementares. Punir bandido é indispensável, caraças. Ninguém é contra isso. Mas a esquerda enfatiza a prevenção e a reabilitação; a direita, o tratamento e a segurança imediata. Em vez de ficarmos batendo cabeça uns com os outros, bora arregaçar as mangas e trabalhar cada um na sua esfera, reconhecendo a contribuição do outro e remediando o ponto cego de cada um. Mas ninguém quer ser o primeiro a dar o braço a torcer.
Pois é, eu to fula, cuspindo bile. A gente se deixa polarizar por idiotice e, suprise, surprise, cria esse segundo turno dos infernos achando sempre que a culpa é do outro. Argh.
E que fique claro: quer me chamar de isentona, santarrona, caramba a quatro, chama. Isso diz mais sobre sua incapacidade de diálogo do que sobre a minha posição. Tenho bom grado em aturar ânimos exaltados num debate, só não tenho paciência pra continuar a conversa com quem ama mais o xingamento do que o progresso do país.
*
2 eu vou me explicar no outro tópico, porque quero mesmo que a esquerda se aprume pra dar conta do que vem por aí.