Em resumo, é um nacional-desenvolvimentismo atualizado
Isso é quase um oxímoro
três tarefas de fundo: 1. Elevação da taxa de investimento; 2. Coordenação do Estado (empoderado, porém enxuto) com a iniciativa privada e as universidades (engajadas em produzir respostas técnico-científicas); 3. Investimento em "gente", com prioridade para a educação e saúde.
Eu acho curioso que esses objetivos genéricos sejam praticamente consenso entre qualquer político.
A principal pista apontada é a redução drástica da taxa Selic, que, além de inflar a dívida pública, engessa a economia, porque os bancos passam a preferir emprestar ao governo do que oferecer condições razoáveis para os empreendedores. Segundo Ciro, a alegação de controle inflacionário para preservar altas taxas de juros não procede, porque a inflação brasileira está mais associada a fatores como variação cambial e preços administrados pelo governo.
E você compra essa bravata dele que os juros não controlam a inflação? O cara tá tentando desafiar uma teoria dominante há decadas, mas estudos empíricos que demonstrem a tese dele, nada.
Juros controlam inflação sim. Claro, quando elevados, também tenderão a elevar a dívida pública e a reduzir o investimento. Tudo isso é conhecido há muito tempo, e qualquer estudante de primeiro ano de economia vê isso num livro texto qualquer.
Claro, sempre podem ocorrer exceções (é economia, cazzo!
). Há um cenário extremo, que costuma ser chamado de dominância fiscal, que ocorre quando os instrumentos de política monetária já não se mostram mais eficazes, pois a inflação está sendo influenciada excessivamente pela dinâmica fiscal, que demanda mais e mais moeda para suprir suas demandas. Nesses casos, sob endividamento muito elevado, aumentar os juros pode ser perigoso pois corre o risco de exponencializar a dinâmica da dívida. Mas definitivamente não é nosso cenário agora (embora não estejamos livres de risco no futuro, com nossa dívida crescendo rapidamente como está).
Sobre o impacto de outros fatores, é óbvio que existem também. Contaminação via câmbio (o chamado
pass-through) de fato ocorre, e os preços administrados também podem afetar o nível de preços. Tudo isso é trivial. Agora, dizer que esses são os principais fatores é uma afirmação que carece de investigação empírica.
Mas há outro ponto, que esse discurso dele parece ignorar: juros também afetam o câmbio. De maneira simples, maiores juros tendem a se associar com uma apreciação da moeda doméstica, o que reduz a inflação também por esse caminho. Baixar drasticamente a Selic (como se fosse mero passe de mágica) tenderia a depreciar a moeda, elevando o câmbio e aumentando assim o contágio inflacionário via
pass-through. É tão básico que me surpreende um metido a sabichão como o Ciro ignorar isso (mentira, nem surpreende não).
Ele também já firmou o compromisso de realizar a inédita auditoria da dívida pública, além de lançar mão de recursos para administração dos prazos da dívida (não se confundem com "renegociação", anúncio que faria o mercado surtar).
Como assim inédita? A dívida pública é auditada periodicamente pelo TCU. E Já teve até CPI da dívida em 2010, inclusive contando com assessoria da tal Maria Lúcia Fatorelli (que encabeça a irresponsável "Auditoria Cidadã" e vive bradando por aí absurdos sobre contas públicas e depois fugindo de debates). A
conclusão do relatório da CPI não aponta nenhuma ilegalidade ou irregularidade em relação à dívida pública.
É por essas ideias que Ciro fala muito em "aliança de
quem trabalha com
quem produz", escanteando os especuladores financeiros e rentistas, que são aqueles que (como eu, mas em escalas muito maiores
) tiram faturamentos do governo sem ser em troca de trabalho ou produção.
Quem compra títulos públicos está ajudando a financiar os gastos do governo. Qualquer governo depende de títulos públicos para se financiar, e quando ninguém mais quiser comprá-los é um sinal de que a coisa tá indo pro brejo. Tipo a Venezuela.
É claro que reduzir a canalização de recursos para títulos da dívida tem sua importância, mas não como objetivo em si, e sim como consequência. Consequência de redução da dívida e do déficit públicos, e redução gradativa dos juros, quando possível. E essas coisas precisam ocorrer juntas. Sem reduzir déficit e dívida, o espaço para reduzir os juros será restrito. E sem isso, nem adianta falar em escantear especuladores (sic).
Aliás, a demonização de especuladores hoje em dia está muito associada a discursos populistas, e envolve um sério desentendimento sobre o funcionamento de uma moderna economia de mercado e seus aspectos financeiros, o que leva muitas vezes a propostas que, na prática, se revelam incumpríveis ou desastrosas.