Nos quatro primeiros capítulos de
Drácula, parece que a gente já vai direto para a ação. Algumas pessoas, como a Mina, são mencionadas, mas as informações sobre elas são escassas. A partir do quinto capítulo, entram outros personagens na história, e faz-se uma contextualização acerca deles. Sim, o quinto e o sexto capítulos são entediantes. Mas, não tem como fugir à tradição romântica, né? Então a gente precisa ficar sabendo de todos aqueles dramas amorosos. (Impossível não revirar os olhos enquanto a Lucy narra os três pedidos de casamento que recebeu.
)
Nesse meio tempo, a gente fica curioso para saber o que aconteceu com o Jonathan, já que a última vez em que esteve em cena, ele estava considerando pular do penhasco. E essa curiosidade permanece durante boa parte dos capítulos seguintes, já que, só no oitavo capítulo, Mina recebe uma notícia de Jonathan. O sr. Hawkins reenviou uma carta que recebera à Mina. Esta, ao saber que o noivo estava doente, prepara-se para ir ao encontro dele. Mas esse "mistério" e o que aconteceu à Jonathan são coisas que serão abordadas mais adiante.
Reinfeld, paciente do Dr. Seward, é uma figura bastante interessante (muito antes das peripécias do oitavo capítulo, quando começa a chamar pelo Mestre). A obsessão que ele tem por insetos é peculiar. Quando ele engole uma varejeira, embora cause asco no médico, usa uma justificativa comum aos guerreiros de outrora, que acreditavam que absorviam a força dos inimigos que derrotavam. Nas palavras do médico: "Reinfeld replicou que comer moscas era algo perfeitamente saudável e nutritivo; que todo inseto era vida, vida intensa e forte; e, ao comê-los, ele assimila sua saborosa força vital". Cadeia alimentar, né?
E o diagnóstico que o doutor fez do Reinfeld é bastante sugestivo: "Meu amigo maníaco-homicida pertence a uma categoria muito peculiar de loucura. Terei de inventar uma nova classificação para ele: é um maníaco
zoófago (um devorador de vida); o que ele deseja é absorver quantas vidas for possível, e seu plano é realizar isso de forma cumulativa".
Há a proposição, mesmo que velada, de uma discussão ética do assunto aqui, ó: "Reinfield, enfim, fez um raciocínio perfeito; todos os loucos são racionais, dentro dos limites de sua loucura. Em seu sistema de contagem, qual será o valor de uma criatura humana? Valerá o equivalente a muitas vidas animais, ou deve ser contada como apenas 'uma vida'?"
Se formos costurar as coisas, para os vampiros, humanos não passam de insetos, dos quais tiram o sangue, isto é, a força vital. Há lógica nessa aparente insanidade do Reinfield? Há. O que poderíamos pensar é, a partir do Humanismo, como ficaria o enquadramento ético da coisa.
Apesar de estes capítulos, quinto e sexto, serem cansativos (sejamos justos: depois dos quatro primeiros capítulos do livro, é difícil manter o ritmo), eu acho muito bacana a construção do sr. Swales que, num primeiro momento, porta-se como a "voz racional" de Whitby, né? Apressa-se em desmentir os boatos sobre a Dama de Branco (aqui, temos um lindo exemplo de
foreshadowing, né? É como se tivéssemos contato com a sombra de um objeto antes de olharmos diretamente para ele. Essa imagem da Mulher de Branco retorna quando Lucy, de camisola, branca, não apenas vai ao encontro do conde como também aparece, por algumas vezes, na janela do quarto, como Noiva do Drácula), bem como também de apontar a hipocrisia que cerceia os assuntos referentes à morte. A esse respeito, o velho ressalta que quem poderá dizer que alguém ainda se lembra dos poucos ossos que repousam abaixo daquelas lápides carinhosas. É significativo, também, ele racionalizando as coisas e dizendo que, a maioria das pessoas que morreram no mar, repousam por lá. Afinal, quem traria os corpos de tão longe?
E foi com o domínio da técnica narrativa que, depois, Stoker fez com que o senhor Swales abrisse mão do deboche e do ceticismo para assumir um tom premonitório: "Estou satisfeito: minha hora está chegando e a espera logo vai acabar. Talvez chegue enquanto falo ou enquanto penso. Talvez a Hora venha naquele vento que está se levantando lá no meio do mar, e que vai lançar muito desgosto e muita ruína sobre o mundo, tristes casos e fortes infortúnios. Olhe! Olhe! — ele exclamou de repente. — Tem algo nesse vento, algo nesse ronco que vem de longe, algo que tem o som, a face e o cheiro da morte. Está no ar; está vindo para cá; posso sentir."
Quando uma pessoa cética fala essas coisas, parece que elas ganham peso, porque, veja bem, não se trata de alguém que acredita em qualquer coisa. Por isso, a estratégia de, primeiro, apresentar o velho como alguém que não acreditava em superstições, e questionava até mesmo o destino dos mortos, sem poupar palavras para falar sobre eles, é essencial para que, quando ele diz que alguma coisa vem vindo com o vento, fiquemos atentos a ponto a sentir a maldade tocar o nosso rosto, por intermédio do vento. É de arrepiar. Coisa muito bem engendrada, mesmo. E isso desemboca na obra-prima que é o sétimo capítulo. É um dos meus capítulos preferidos do livro (eu não me lembrava de nenhum detalhe específico de
Drácula, porque a primeira leitura foi feita há 84 anos, mas me lembrava de ter ficado fascinada pelo "capítulo da tempestade"). E, agora, vem a parte mais interessante: é um capítulo construído a partir de uma tempestade marítima e seus desdobramentos, e, vejam bem: eu nem sou fã do mar (mais mineira, impossível!). Então, quando alguma coisa relacionada ao mar consegue a minha total atenção, essa coisa tem de ser muito boa, mesmo. (Vide a minha loucura por
O Velho e o Mar). Eu amo tudo, exatamente TUDO, nesse capítulo.