Veja,
@Fëanor, você não tocou nos pontos essenciais da defesa de Cardozo.
Eu toquei apenas no ponto que ele falou sobre as pedaladas em si. Parte do seu post tá mais ligado ao que ele falou sobre os créditos suplementares, que são outra questão. Mas vou comentar algumas coisas:
Mas como é que você, presidente, "atentou dolosamente contra a Constituição Federal" simplesmente por assinar decretos cuja gestão pertence à Secretaria do Tesouro Nacional, endossados por vários órgãos técnicos e de acordo com todos os entendimentos históricos do TCU? (se essas informações trazidas pela AGU são falsas me alerte, estou me baseando nelas).
Como assim "simplesmente por assinar"? Ao assinar um decreto, a presidente assume a responsabilidade sobre o que se está decretando. Se não fosse assim, para que serve a assinatura?
E muito embora sejam recursos gerenciados pelo Tesouro, os decretos direcionam as ações do Tesouro. Um funcionário deve ser isoladamente culpado por seguir aquilo que é requisitado pelo chefe?
Veja, ainda, que a própria
lei do impeachment considera como crime de responsabilidade (e, portanto, passível de impeachment):
Art. 10, inciso 6:
Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal.
Art. 11, inciso 3:
Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
E o TCU já deu seu parecer de que
sim, as pedaladas foram operações de crédito (ao ferirem os artigos 32, 36 e 38 da
LRF).
Isso também já contradiz a tese de que as pedaladas poderiam ter endosso do TCU. Mas o argumento do endosso técnico e da concordância com o TCU mencionados tem mais a ver os créditos suplementares, salvo engano.
O povo gosta de alegar "Ah, outros presidentes fizeram", "Ah, outros governadores fizeram" mas não é esse o argumento, porque a ilegalidade de um não justifica a do outro. O argumento é que se trata de uma interpretação de inconstitucionalidade nova, e a eficácia sancionadora sobre determinado ato não pode ser retroativa, isso é um basilar da segurança jurídica. E um ato não é "mais inconstitucional" que outro só porque foi praticado com mais frequência ou em período eleitoral.
O artigo do Mansueto que eu mencionei antes deixa bem claro que não é tudo pedalada não. Tem que ter critério pra definir o que é uma pedalada. Já mencionei isso antes por aqui também. Um atraso eventual de um mês é algo normal, corriqueiro. Um atraso sistemático e acumulado, de meses, intensificado exponencialmente em período eleitoral, definitivamente não é normal. Pelo contrário, é deliberado e com propósito específico.
O que estamos usando para fazer valer essa destituição: uma simples assinatura sobre operação de natureza contábil, transparente, declarada, que as instituições fiscalizadoras jamais haviam entendido como sancionáveis. Não, cara. É muita, muita forçação de barra.
Siceramente Eriadan, mas eu vejo como um tremendo desrespeito ao bom senso minimizar a coisa a "simples assinatura sobre operação de natureza contábil, transparente, declarada".
Primeiro, que "simples assinatura" na verdade implica responsabilidade.
Segundo, que não é apenas uma "operação de natureza contábil". Falar assim esvazia de sentido o que está em jogo: a transgressão à responsabilidade com o dinheiro público. Não é uma mera questão de lançamentos de ativos e passivos. A própria prática de pedaladas foi inflacionária, ajudando a corroer o dinheiro nacional, prejudicando toda a população, e mais gravemente os mais pobres. Simplificar as coisas em termos de "assinatura" e "operação contábil" faz parecer que quem comete crime com uma caneta em mãos, sentado em uma cadeira confortável, não é assim tão culpado. Sei que não é o que você quer dizer de fato, mas é o que as palavras podem dar a entender.
Terceiro, não foi transparente nem declarado. O governo não contabilizava as dívidas com FGTS, BNDES e BB, o que também foi julgado irregular pelo TCU. O público não sabia a real situação das contas públicas até as eleições.
O governo só veio a admitir o rombo passado o período eleitoral. Conveniente demais.