Mas será que existia diálogo entre os casais daquela época?
Acho que não.
Os casamentos eram praticamente arranjados (pelo padre da paróquia, pelo salsicheiro, lembra do começo?) então era uma coisa acho que meio automática: se casar com quem era mais conveniente, ter filhos, envelhecer (o que devia acontecer quando? acho que alguém com 50 anos já era considerado idoso, não?) de maneira que não existia esse negócio de "discutir a relação", a mulher reclamar que se sente "sufocada" no casamento e essas viadagens todas que só apareceram no mundo burguês acho que na metade do século XX.
Concordo contigo, Clara. Como dizem alguns sociólogos, no início da modernidade tudo era "compulsório". Todo mundo já tinha seus papéis definidos e certinhos na vida: marido/pai/operário - mulher/mãe/dona de casa. Por um lado havia mais estabilidade, por outro menos liberdade (fizemos uma boa troca?) O que nos leva à questão: será que Emma Bovary teria sido feliz (e o final teria sido outro) se houvesse a possibilidade do
divórcio? Eu acho que não, de qualquer forma. O problema não é bem o casamento, acho, e sim as fantasias dela. Mesmo separada do Chales, ela nunca encontraria
O homem ideal, o homem dos ideais dela, porque pessoas ideias não existem, como sabemos =P, todos temos defeitos, manias etc.
Em um momento até ela se apercebe disso, um momento bem triste do livro (capítulo 6, parte 3), quando ela se sente traída pela realidade de Léon que virou um burguês que se quer cada vez mais "respeitável" (lembrar da carta anônima à mãe dele). Acho que para os dois (Léon e Emma) essa é a história de uma queda né? Dos ideais do romantismo para a realidade cotidiana, sem paixões, dia após dia.
Será que a gente pode traçar um paralelo com o que acontecia na sociedade da época? O Romantismo já tinha tido seu impulso inicial de revolucionar o mundo após a Revolução Francesa e tinha falhado (e tinha falhado de novo em 1848, pela última vez?). Vinha agora a realidade, a modernidade, o "auge do Capitalismo". A burguesia triunfante.
Tenho também outras considerações parciais:
1. Sobre o processo contra o livro: acho que foi merecido, certo? Principalmente por dois motivos: 1. trazer a traição feminina e a infelicidade no casamento (a "condição da mulher"), claro; tema que, logo mais, obcecaria o século XIX com Anna Karenina/toda a obra de Tolstói?, O primo Basílio, nossa Capitu... 2. e as críticas à Igreja Católica; que para mim tem dois momentos de "ápice" que é quando o narrador compara a adoração de Emma frente aos amantes com a adoração a Deus (na parte que ela enlouquece e busca um êxtase religioso) e na discussão de Homais com o padre quando Emma morre (em que Homais discute a necessidade de rezar e diz que a Bíblia foi manipulada pelos jesuítas etc).
2. Acho que Flaubert esculhambou com toda a sociedade do interior da França. Podemos dizer que todos os personagens são ridículos/patéticos? ou é exagero? Acho que Flaubert exagerou algumas características dos personagens para efeito de ridículo e fez a Emma muito Romântica e o Chales muito pateta. Lembrar, por exemplo, a cena da ópera ou as quase descobertas das traições. O Homais é a representação da "esperteza" francesa (havia um estereótipo sobre os habitantes da Normandia no século XIX, como espertalhões que o Maupassant também representa em alguns contos). Quanto a esse, "maculou" até a honra máxima da República, a Legião de Honra, sendo um personagem mesquinho, ajudando por interesse, procurando aparecer no jornal. O Rodolphe é, como dissemos, um Don Juan ou Casanova que coleciona amantes, mechas de cabelo e cartas e ainda cínico também etc.