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Clube de Leitura 22º Livro: O Processo (Franz Kafka)

Data final! Hoje já estão liberados spoilers nos comentários. Não exatamente spoilers né, quem não sabia que K. ia se dar mal no fim? Essa informação já vem até em algumas sinopses. :lol: Mais tarde venho deixar a minha análise do livro.
 
Data final! Hoje já estão liberados spoilers nos comentários. Não exatamente spoilers né, quem não sabia que K. ia se dar mal no fim? Essa informação já vem até em algumas sinopses. :lol: Mais tarde venho deixar a minha análise do livro.
Sério? Ainda bem que eu não li as tais sinopses, comecei o livro sem fazer ideia do que se tratava e pelo jeito devo ter sido o único inocente que se surpreendeu com o final haha!
 
Ah, a primeira vez que eu ouvi falar em O Processo já foi como "a história do cara que é processado e executado sem nem saber por quê". :p
 
Aqui vai um review da obra (e eu nem assisti o filme que disse que iria :timido::chibata:)

Franz Kafka começa seu O Processo de forma parecida com um romance – mas a casualidade do dia a dia de K. logo é estarrecida com o começo de seu processo judicial, que se arrastará sem que se saiba o motivo.

É interessante observar que Kafka abandona a vida pregressa de K. quase que por completo quando a narrativa avança – a vida do personagem está imersa no seu processo, mesmo que isso fique imperceptível pelo mesmo. Até a vida amorosa do mancebo é prejudicada...

O livro não apresenta nenhuma aplicação causal do processo (no que constituir-se-ia um erro se essa não fosse justamente a premissa do volume). Nas descrições dos lugares, sempre sufoca, agoniza o leitor, de tal maneira que imerge com Josef em seu penoso torpor.

Por fim, K. é executado sem nem mesmo saber o porquê – e nem mesmo o leitor, quiçá nem mesmo Kafka o sabia. O processo é aplicado sumariamente ao que parece a várias pessoas, no que se constitui o livro como uma espécie de “distopia do Direito”.

Poderia se aventar mil possibilidades filosóficas para o fim da obra – a da natureza selvagem que aflige o homem sem o amparo das organizações institucionais, o papel do Direito em si, a sociedade que se corrói a partir dos fundamentos que a constituem...

Enfim, apesar de conciso em sua causalidade, Kafka talvez nos queira deixar apenas uma mensagem: de que todos nós estamos, inconscientemente, passando pelo mesmo processo.
 
Aqui vai um review da obra (e eu nem assisti o filme que disse que iria :timido::chibata:)

Franz Kafka começa seu O Processo de forma parecida com um romance – mas a casualidade do dia a dia de K. logo é estarrecida com o começo de seu processo judicial, que se arrastará sem que se saiba o motivo.

É interessante observar que Kafka abandona a vida pregressa de K. quase que por completo quando a narrativa avança – a vida do personagem está imersa no seu processo, mesmo que isso fique imperceptível pelo mesmo. Até a vida amorosa do mancebo é prejudicada...

O livro não apresenta nenhuma aplicação causal do processo (no que constituir-se-ia um erro se essa não fosse justamente a premissa do volume). Nas descrições dos lugares, sempre sufoca, agoniza o leitor, de tal maneira que imerge com Josef em seu penoso torpor.

Por fim, K. é executado sem nem mesmo saber o porquê – e nem mesmo o leitor, quiçá nem mesmo Kafka o sabia. O processo é aplicado sumariamente ao que parece a várias pessoas, no que se constitui o livro como uma espécie de “distopia do Direito”.

Poderia se aventar mil possibilidades filosóficas para o fim da obra – a da natureza selvagem que aflige o homem sem o amparo das organizações institucionais, o papel do Direito em si, a sociedade que se corrói a partir dos fundamentos que a constituem...

Enfim, apesar de conciso em sua causalidade, Kafka talvez nos queira deixar apenas uma mensagem: de que todos nós estamos, inconscientemente, passando pelo mesmo processo.
Excelente, pode publicar na Folha!
 
A propósito, eu adoro esta sinopse da Martin Claret. Todas as palavras e expressões chave que resumem o livro estão aí:

A desesperança e a alienação do homem moderno, imerso num mundo que não consegue compreender. Nesse romance, a ambiguidade onírica do peculiar universo kafkiano e as situações de absurdo existencial chegam a limites insuspeitados. A ação desenvolve-se num clima de sonhos e pesadelos misturados a fatos corriqueiros, que compõem uma trama em que a irrealidade beira a loucura.

Na verdade, eu só acrescentaria angústia, que para mim é nada menos que a tradução desse livro.
 
Última edição:
Bela crítica, Níra.

Minhas considerações:

Tanto a forma como a história é contada, quanto a história e a escrita propriamente ditas são extremamente angustiantes, opressoras e sufocantes. Os ambientes são assim, as pessoas são assim, os diálogos são assim, o narrador é assim. Não sei se esse era o objetivo de Kafka; todavia, tanto faz, pois creio que essa é a sensação provocada na maioria das pessoas.

A escrita é um tanto seca, dura e cortante – não só a fala dos personagens; nem o narrador escapa. Não há algum sentimentalismo, tampouco empatia; é sempre o impacto e a impessoalidade que deixam marcas no leitor (ao menos em mim).

É difícil não se irritar com K., sempre impaciente com todos. Uma das poucas vezes que me lembro de ele sendo simpático com alguém foi com o sacerdote na igreja. De resto, é sempre seco e impaciente, até (e talvez principalmente) com aqueles que tentam lhe ajudar, como o tio, o advogado, o pintor, a dona da pensão, e, principalmente, as mulheres, frutos de seu interesse sexual.

A propósito, é incrível esse poder de sedução que K. tem com as mulheres. Dentre todas as personagens que têm alguma relevância no livro, ele só não se envolve com a dona da pensão, senhora Grubach, por ser de idade; e com a amiga da senhorita Bürstner, a senhorita Montag. É interessante notar que ele sequer precisa dar em cima delas, elas é que dão em cima dele [pelo ponto de vista dele].

A escrita é bem diferente do que eu estou acostumado. As frases são bem longas, tem muitas orações inseridas, muitas vírgulas, muitos ponto e vírgula. Por exemplo [abri em uma página qualquer]: “K. começou a vislumbrar muitas dificuldades e desistiu de entender o italiano naquele momento – na presença do diretor, que o entendia com tanta facilidade, teria sido um esforço desnecessário – e se limitou a observar o modo como ele descansava profundamente acomodado na poltrona e mesmo assim mostrando leveza como puxava e repuxava várias vezes seu casaquisinho curto, de talhe esbelto, e como uma vez tentou, de braços erguidos e em movimento, soltas nos pulsos, representar alguma coisa, que K. não conseguiu compreender, ainda que inclinado para frente, não desviasse os olhos daquelas mãos.” [p. 232]

Outro exemplo: “A tentação de pelo menos naquela única vez se negar a fazê-lo foi muito grande, e, sobretudo, aquilo que haviam previsto para ele não era um trabalho que tivesse alguma relação imediata com negócios, mas o cumprimento desse dever social diante do amigo de negócios era em si suficientemente importante, embora não para K., que sabia muito bem que só através de êxitos poderia se manter no trabalho e que, caso não conseguisse, não tinha o menor valor o fato de que, de uma forma inesperada, viesse a encantar aquele italiano; ele não queria ser retirado para fora do âmbito de seu trabalho nem um dia que fosse, pois o temor de não ver permitida sua volta era demasiado grande, um temor que ele conseguia reconhecer de maneira muito precisa que era exagerado, mas que mesmo assim o oprimia”. [p. 230]

Os parágrafos também são bem grandes, não raro são maiores que uma ou duas páginas. O segundo parágrafo do capítulo sétimo [Advogado – Industrial – Pintor] é especialmente grande: o parágrafo dura onze páginas. Aliás, esse parágrafo é praticamente a síntese de como funciona a justiça [personificada pelo tribunal] em O Processo; sua leitura é essencial para o entendimento da obra. A descrição da justiça cabe até aos dias de hoje.

Cabe também aos dias de hoje a fala do comerciante Block sobre as petições [p. 206]: “Aliás, no que diz respeito a minhas petições, acabou ficando claro mais tarde que elas não tinham o menor valor. Inclusive cheguei a lei uma delas por causa da deferência de um funcionário do tribunal. Embora ela fosse erudita, seu conteúdo no fundo era nulo. Sobretudo muito latim, que eu não compreendo, e depois páginas e páginas de apelos gerais ao tribunal, em seguida, lisonjas a determinados funcionários isolados que, embora não tenham sido mencionados, podiam ser identificados com facilidade por um iniciado, e depois o auto-elogio do advogado, no qual ele se humilhava como um cão diante do tribunal, e por fim análises de casos jurídicos de tempos passados, com os quais o meu seria supostamente parecido”.

Tudo isso, tanto os parágrafos extensos quanto as frases extensas e cheias de orações contribuem para o aspecto sufocante provocado pela obra.

A parábola da lei, “Diante da lei”, contada pelo sacerdote na igreja, é um tanto intrigante. Não tenho uma interpretação definitiva da parábola, conquanto minha teoria mais forte seja a de que os “porteiros” são os obstáculos que não nos permitem chegar à lei: a burocracia, o Estado, o sistema. Ora, são vários os porteiros, e estes vão ficando cada vez mais poderosos à medida que se chega mais próximo da lei; é bem como opera a burocracia. Quanto mais ela deveria ser acessível, mais ela se torna difícil, embora “a entrada [da lei] tenha sido destinada a ti [ao homem na parábola; à sociedade em geral]".

Vejo como o principal tema da obra a dúvida e o conflito do indivíduo perante o Estado, que pode ser estendida para a vida. A burocracia nos faz sentir pequenos, nos persegue, nos acusa, mesmo sem nos deixar saber o porquê; sempre somos nós que devemos explicações, nunca eles. A culpa vai nos afetando sem que percebamos: Kafka, no início, tem certeza que não é culpado do que quer que seja; aos poucos vai assumindo sua culpa, que o consome aos poucos e faz culminar em sua morte.
 
Eu concordo 100% com o que vocês já comentaram, mas serei um pouco mais rude: eu achei a leitura bastante desagradável. DETESTEI o estilo de escrita de Kafka. Há aqueles livros que a gente lê rápido porque são envolventes; este, caso eu não estivesse me esforçando para seguir o cronograma, teria terminado na primeira sentada, mas por outro motivo: não via a hora de me livrar! >:( A narrativa é muito mal dosada: parágrafos intermináveis, diálogos entediantes, capítulos sem coesão. Tudo bem que isso pode se dever, em parte, ao fato de ser uma obra inacabada, mas temos que analisar o que temos em mãos né.

O outro motivo que me fez querer terminar logo, no entanto, já se deve ao talento de Kafka, que tem tudo a ver com o enredo e é um das coisas que tornam esta obra especial: ela é sufocante. O ar vai se tornando mais rarefeito conforme o processo se desenvolve, e é quase sobrenatural a forma como a gente sente isso na pele do personagem. Vou me esquivar de deduzir alegorias, pois não sei se Kafka tinha esta intenção, mas é provável que com isso ele estivesse reproduzindo, mesmo que inconscientemente, a própria angústia existencial: a vida é o processo, o mundo é essa Justiça misteriosa que nos oprime e nós estamos aqui, sem fazer ideia do que estamos fazendo - e por quê -, mas de alguma maneira tendo que responder ao que somos submetidos.

Apesar de a leitura não ter me proporcionado prazer, não é verdade que não tenha sido proveitosa. Foi um dos livros de que mais tirei reflexões, especialmente porque o Direito é a minha área de formação. Depois vou fazer um post com esse enfoque.
** Posts duplicados combinados **
Tudo isso, tanto os parágrafos extensos quanto as frases extensas e cheias de orações contribuem para o aspecto sufocante provocado pela obra.
Bem observado. Não tinha parado para pensar que isso que eu estou considerando "defeito" de ritmo narrativo, que você descreveu perfeitamente bem, possa ser um dos temperos dessa dispneia que a leitura nos provoca. Bem, se for proposital, ele é gênio. :lol:
 
Última edição:
Eu ando tão perdido que achei que hoje começasse a terceira etapa. :oops:

Sorry, guys. Vou terminar o livro, mas receio não ter podido acompanhá-los senão com palpites e piadas :dente:
 
Mas o Béla tá certo, não?
Hoje, pros menos ansiosos, a leitura dos três últimos capítulos começaria ....
 
Não, hoje começa a última fase. Pode-se comentar o fim do livro já.
Eu achei que recém começaria a terceira. Estou uma semana atrasado, portanto.
 
Eu tava interpretando como a "data limite" para leitura dos capítulos e início das discussões.
 
Então, O Processo me fez pensar muito sobre a nossa vulnerabilidade ante o poder descomunal do Estado. Isso se manifesta de muitas formas, mas a mais gritante delas, a mais terrível - e eu me condoo dos partidos liberais porque não a põem no centro da militância -, é o nosso completo sujeitamento impotente ante a "Justiça" do Estado. E com isso estou me referindo não apenas ao Judiciário formal, mas também às instituições que, por anomalia, praticam por vezes a Justiça do Estado sob um aspecto de legalidade, como a Polícia, ou como o estranho tribunal de que K. acaba sendo vítima.

Tenho tanto a falar sobre isso que estou tendo dificuldade para sistematizar, então vou deixar a fagulha para ver se sai uma discussão e eu vou desenvolvendo aos poucos.
 
isso me lembra uma situação que passei e fui vitima de um juiz. Tem um ditado que é o seguinte:

Médico acha que é Deus, Juiz tem certeza!

Pois é, somos refém dos caras. E eles são pessoas que estão sujeito a ter os dias bons e os ruins. Fizeram uma pesquisa nos EUA e analisaram a sentença de diversos juízes em ocasiões diferentes. Um dia era dado um "donut" para eles logo antes da sentença, outro dia deixavam eles sem o doce. A variação de sentenças semelhantes era bem grande dependendo do humor e do açúcar do juiz. Pena que li faz tempo e não tenho a fonte mais...
 

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