* Enquanto todos aguardavam uma resposta, Gandalf parecia perdido em memórias *
* Após longos momentos de impaciência e tensão, o silêncio foi subitamente quebrado por sua voz. *
Me questionam sobre os meus motivos para conduzir os anões e um hobbit em uma jornada perigosa. Me perguntam sobre o meu interesse. Pois bem! Meu interesse era mesmo no tesouro!
O tesouro pertence aos anões, e naturalmente deveria retornar a eles. No entanto, eu não tinha obrigação nenhuma em ajudá-los, e essa não era minha missão na Terra Média. Era justo, se meus préstimos foram tão úteis e decisivos nessa retomada, que um pagamento me recompensasse. Os anões sempre foram bons comerciantes e sempre se dedicaram a trabalhar como ferreiros, recebendo devido pagamento pelos seus negócios. Com certeza entendem o valor de uma retribuição adequada a um esforço incomum. Não quis tudo, ou sequer um quatorze avos do saque - o que preferi que fosse destinado a Bilbo - mas não pensei em sair de mãos vazias.
Os magos tem seus gastos, e os meus eram com erva. Sim, eu ia gastar tudo em erva do condado. Todos possuem o direito de se divertir quando não estão a trabalho, e eu definitivamente não estava a trabalho em todo esse episódio já que minha missão era com o Um. Achei que seria bom também ajudar os anões, tão obstinados e impotentes diante do dragão. Naturalmente que quando a desconfiança do Anel surgiu, muito tempo depois, passei a estar em serviço e abandonei imediatamente a vida relaxada.
Isso tudo pensei a princípio, mas é claro, como todos sabem, que nada saiu como planejado e todos desistiram de quaisquer acordos iniciais. Não planejei de forma alguma morte de quem quer que seja, e muito me doeu ver partir os que se foram. Desisti completamente de tocar em assunto de pagamento, um pouco por perder o interesse, mas principalmente por respeito à situação. Foi somente quando nenhum anão estava presente e apenas Bilbo - um coração bom demais para sentir ou perceber ofensa nesses assuntos - me ofereceu o tesouro dos Trolls, foi que aceitei. E ainda assim aceitei somente metade, porque a erva não é assim tão cara. Metade do saque me permitia comprá-la pelo resto do meu tempo em Arda. Caso eu ficasse mais tempo, pensaria em outro plano - tenho certeza que conseguiria não ficar sem erva.
Nunca invejei Saruman, e Orthanc nunca me interessou. Não faz o menor sentido ficar confinado em um prédio alto com tantas coisas a serem resolvidas ou apreciadas ao longo das terras. Quando estou ocioso, eu viajo, e não tenho interesse em liderar ordens de quaisquer tipos - embora muito me irrite quando os líderes de fato não me ouvem.
O relato que Thrain nos entregou é absolutamente...
verdadeiro. Aquela conversa realmente aconteceu. Porém, não aconteceu
comigo. Quando cheguei na sala, o encontrei já no meio do diálogo, aparentemente falando com as paredes. No início achei que havia ficado completamente insano, mas depois desconfiei que o Necromante estivesse colocando alguma ilusão em sua mente. Quando entrei no calabouço, o ouvi dizendo algo sobre um anel em seu poder, mas que havia sido roubado, junto com outras coisas. Seus pertences estavam sobre uma bancada num canto da sala, não distantes de seu corpo, e pude ver um rolo e um objeto de metal. Rapidamente os peguei, pensando que assim estaria impedindo o inimigo de tê-los, o que quer que fosse. Guardei-os em meu manto enquanto Thrain continuava um diálogo estranho, em que falava sobre um filho continuar uma missão com aqueles objetos. Nisso me aproximei, para tentar entender o que acontecia e ver se havia algo que eu pudesse fazer. Quando cheguei a seu lado, acredito que ele tenha pela primeira vez conseguido realmente me ver, e seu olhar mudou. Disse "Ajude-me, Gandalf!", e minha cautela foi substituída por uma enorme preocupação. Comecei a pensar em como tirá-lo dali, mas meus pensamentos rapidamente mudaram para um temor de que o Necromante tivesse percebido minha real presença através dos olhos e da mente de Thrain. Confuso, por um momento não soube o que fazer, e isso foi fatal para a situação: logo vi um vulto por trás do anão e senti uma força estranha, porém imensa em meu peito, da qual tentei desesperadamente desviar. Quando dei por mim, estava jogado em meio a pedras a alguma distância da masmorra, e sinto que naquele episódio quase pereci. Creio que se tivesse tentado uma luta, não estaria aqui hoje.
Como devem imaginar, o que eu tinha em meu manto era o mapa e a chave. Revisei muito as minhas memórias daquela conversa estranha para entender do que se tratava, e deduzir o que ele queria com aquilo. Infelizmente, não disse o nome de seu filho, e demorei muito para encontrá-lo. O inimigo parecia mais interessado nos sete anéis do que nesses itens, mas mesmo assim hesitei muito em entregar o mapa ou falar a respeito para quem quer que fosse. Théoden teve mais sorte, pois sua cegueira foi causada por alguém menos poderoso e foi possível removê-la. Sinto por Thrain, perdôo sua ingratidão, e me pergunto se algo conseguirá trazê-lo de volta.
Eu nunca "desapareci", eu tive que me ausentar. Muitas vezes tenho que decidir entre duas tarefas conflitantes, das quais uma apenas eu posso fazer, e outra pode ser feita pelos que deixo para trás. Não posso mandar um anão ou um hobbit em um conselho de magos - seria o mesmo que mandar um pônei - mas posso deixar que treze guerreiros e um ladrão caminhem por um pedaço de mato. Não é minha culpa se os anões orgulhosos às vezes tomam decisões estúpidas. Confesso que em alguns momentos da minha vida estive bastante irritado e preferi que uns anões e hobbits realmente fossem devorados por alguma besta, me livrando de sua estupidez e me dando um pouco de paz. Mas normalmente eu não me irrito, em parte devido à erva.