Xi Maria, acumulou. Vamos lá:
Meu ponto é o seguinte: a discussão vai além da reprovação que cada um faça do aborto ou não. Eu ou você achar um absurdo não faz diferença, vão continuar abortando. O Estado proibir não faz diferença, vão continuar abortando. Mas se a legalização pode trazer um efeito positivo conexo, que é a preservação da vida de várias dessas mulheres (e possivelmente até a REDUÇÃO do número de abortos), urge que isso seja feito.
Voltando ao tema inicial, que é a
legalização e não a
moralidade do aborto: não, deveria ser legalizado, pois as proibições existem justamente para inibir condutas que a sociedade acha imorais. Você pode folhear o Código Penal ou qualquer lei penal extravagante e notará uma coisa incomum em cada conduta tipificada, tais como furto, apropriação indébita, violação de domicílio, abandono de animais em propriedade alheia, estupro, sequestro, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, terror e tortura: são todas consideradas imorais. Mais que imorais: também representam condutas danosas a um bem jurídico: vida, integridade física, liberdade individual, patrimônio, erário, entre outros. E também as proibições são exceção, não a regra, ainda bem. Na verdade, poucas são as coisas proibidas no Brasil.
Você disse antes que um motivo para se descriminalizar seria que poderia acabar com a prática do aborto às escuras, que é arriscado. Verdade. Mas o problema não está no fato de a norma ser infringida pelas mulheres que optam por abortar, ou por seus companheiros que a forçam, mas sim no fato de que não é para fazer. Trata-se de "o quê" e não "como, em quais circunstâncias." Guardadas as devidas proporções, seria como legalizar a maconha sob o seguinte pretexto: "os produtores domiciliares, artesanais, que cultivam Cannabis em seu apartamentos, por não dominarem a técnica, acabam se intoxicando em meio ao procedimento, o que faz mal para sua saúde a e de seus vizinhos. Deve-se, portanto, legalizar para poder-se regulamentar o pantio, por pessoas habilitadas, em locais próprios e autorizados, assim evitando o espalhamento do cultivo doméstico em locais confinados." <-- faria sentido isso?
mas também porque sei que uma gravidez indesejada arruinaria o futuro brilhante que eu tenho pela frente.
Não, você não sabe disso! Pelo contrário, pode ser uma dádiva!
E quanto à mulher que usa camisinha pra se proteger e for estuprada? Estuprador não usa camisinha. Aí ela engravida porque ficou com vergonha ou se sentiu ameaçada de procurar ajuda médica, ou por desinformação, ou porque o contraceptivo de emergência não funcionou?
Você pode ver que em nenhum momento eu falei da proibição em caso de estupro. Você está trazendo um novo elemento à discussão. Aí não há o que discutir, porque o estupro é excludente da ilicitude do aborto, então você não precisa se preocupar.
Homens também, já que quando a gente não exige camisinha, eles não perguntam se a gente se protege de alguma outra forma. Mas aí elas engravidam e têm que ser punidas?
Punidas? Só se você já tiver estabelecido que ser mãe é um estorvo. Do contrário, eu acho mais justo chamar de "encarar o novo desdobramento da vida." E sim, os homens também são culpados, tanto por ação, quando envenenam suas parceiras com cytotec porque acham que ficaram grávidas, quanto por omissão, quando deixam de exigir a prevenção.
Não sei o número, mas ele não importa se sua esposa for a premiada, né?
De fato não, mas devemos pensar muito, muito antes de alterar uma norma tão importante com base num punhado de casos dentro de um universo de centenas de milhares.
Mas ninguém é obrigado a andar de carro ou a cavalo!
Foram apenas exemplos. Todos estão expostos a um sem número de riscos enquanto vivem. Mesmo que queiram viver nas montanhas, isolados para todo o sempre, terão o risco de serem picados por um mosquito infectado. Viver importa em riscos, foi o que eu quis dizer. E mesmo se não quiser andar de carro ou a cavalo, você terá que ser pedestre, o que te põe em risco de ser atropelada. É o que se chama de "risco proibido" e "risco permitido" no Direito Penal.
Direito dela! Ela fez uma escolha.
Agradeça!
Leia de novo pq tá bem claro.
Eu li, e realmente o que você disse anteriormente não passou de um non sequitur. Na boa, gostaria de reformular ou detalhar mais?
Sim, mas a moral é invenção do homem, correto? As questões social e biológica que eu citei são bem objetivas.
Sim, é uma invenção humana, tal como o Direito, que dela deriva. A norma que proíbe o aborto também é uma criação humana. A questão biológica pode ser bem objetiva, mas a social já nem tanto, pois a sociedade nada mais é que um somatório de indivíduos humanos e que, por conta da mentalidade de grupo, assume uma nova identidade, que acaba, por vezes, sufocando a identidade individual. E, se o indivíduo constitui a sociedade, a sociedade constitui o Estado, e este constitui a lei, então sim, a lei também é criação humana. Se sobrevier lei permitindo aborto, também será uma criação humana; neste caso, você irá comemorar, eu não.
Só que a questão biológica não favorece a tese da descriminalização. A não ser que você esteja falando de outro aspecto da biologia que não o desenvolvimento embrionário, em que considera-se humano o ser formado pela junção de um espermatozoide e um óvulo, cada um com 23 cromossomos, totalizando 46, daí posto a se desenvolver. Se tem 46c, então ele com certeza se desenvolverá, a menos que morra. Atingir 12 semanas é um marco, atingir 40 (e ver a luz) é outro. Era disso que você estava falando?
Teria, uma relevância positiva. Pq vc acha que seria negativa? (minha mensagem anterior: Logo, o que você sugere é sancionar a possibilidade de interromper (tirar) uma vida. Será que isso também não tem relevância social?
Tirar vidas, especialmente com a chancela do Estado, sempre será negativo para mim. E, na minha opinião, tem peso maior do que o que se ganharia preservando a dignidade, a privacidade e a intimidade de uma mulher. Sorry.
Porque ninguém é obrigada a correr esse risco! Tá vendo? A discussão começa a ficar repetitiva. É a terceira vez que eu falo isso.
Então vamos concordar em discordar.
Ruim pra eles pq vc não é proibido de transar com camisinha! Se fosse, estaria entendendo pq eu reclamo quando a opinião do outro interfere na minha vida. Eu também acho que os anti-abortistas não deveriam ser levados em consideração, porque "essa gente" não vai arcar com meus custos de mãe. É muito fácil falar do outro, né?
Você está levando pessoalmente. Soa como se você estivesse falando unicamente naquele cenário em que o cara dorme com você, despede-se com um beijo na testa, você liga para dar a notícia e ele responde: "quem é você?". Esse aí é um dos que você pode chamar de "essa gente". Por outro lado, se você deparar com um cara que, por preceito, não pode usar camisinha, diga bye-bye para ele, simples! Você ficaria comigo? Eu sou um cara legal, pode confiar, mesmo que tenhamos nos 'conhecido' nesta temperatura. Sinto que não, porque você antipatizou comigo (é a impressão que eu tenho). Logo, menos ainda você ficaria com um fundamentalista desses!
Mas está interferindo porque a opinião pública tem força. Se eu engravidar agora, meus planos vão por água abaixo. E aí, vc vai cuidar do meu filho enquanto eu estiver trabalhando, estudando? Vai pagar babá pra ele? Não, né? Então tá interferindo e depois vai dizer que não tem nada a ver com meus problemas. E não tem mesmo!
Se eu tenho força porque sou um representante da opinião pública, então você também tem pelo mesmo motivo, mas em sentido contrário. Com um detalhe: nós, antiaborto, somos maioria, mas somos calados, passivos e bobos, com algumas exceções. Vocês, por sua vez, são mais ativos, barulhentos e organizados, não nos argumentos, mas na articulação. Vocês têm mais 'aceleração'. Acho que a posição de vocês, do ponto de vista político, é até mais confortável que a nossa. Quem são meus representantes?
E sim, é duro mesmo. Se você engravidar, coisa que você não precisa fazer, seus planos podem ir por água abaixo, apesar de eu ter dito acima que pode ser uma dádiva. Dá pra ver que você se ama muito por causa do seu vigor na defesa da individualidade feminina, então você vai amar seu filho(a). Se for estuprada, coisa que eu NÃO gostaria que acontecesse, você já estará coberta pela lei. E se acontecer de você deixar o tesão neblinar seu julgamento no momento das preliminares, então essa é a dura verdade: sinto muito. Sim, pode me xingar de egoísta, de pessoa que não se importa com a dignindade alheia... não é isso, pode confiar em mim. Esta foi uma questão que eu já pensei muito aprofundadamente. Já coloquei muitas coisas em cotejo.
Eu não entendi nada disso. Tá querendo dizer que se algo der errado no final das contas pode ser um caminho pra algo que dê certo?
Não era exatamente isso que eu tinha em mente, mas sim, pode ser também. O que eu quis dizer mais precisamente é que 'coisas acontecem'. Umas mais leves, outras mais graves. Passar num concurso meia-boca é uma delas, que pode fazer com que você tenha que abandonar seu projeto de doutorado para poder enfrentar despesas do presente. O que você faz? Ou morre de fome, ou encara. Aconteceu. Mas isso mesmo; enquanto você está encarando e sobrevivendo, outras portas maravilhosas podem ser abertas para você no processo.
Sim, pode-se rever o conceito da lei. Ela não deve permanecer sempre a mesma, tem que evoluir de acordo com o que vem acontecendo. Mas no caso, a revisão da lei tem que partir da mesma ótica inicial: rever o conceito do ato em si ser criminoso ou não. Adotar a lógica de que é muito difícil fiscalizar e por isso deve deixar de ser criminoso não é a lógica correta.
Não sei se fui claro, é bem sutil a diferença. Difícil explicar.
Não sei os demais, mas eu entendi, e realmente não é a lógica correta. Só um cuidado: muitos dizem que o Direito (a lei, para quem não diferencia) serve para "acompanhar a sociedade". Penso que não; o Direito é para
manter a ordem. Do contrário, qual segurança teríamos? Imagine se determinada prática, por ser tolerada por alguns, vira objeto de lobby e passa a ser legal? Casa de prostituição, por exemplo. Pune-se a manutenção de casa de prostituição porque, ao fim e ao cabo, não queremos uma sociedade permeada de putaria em cada esquina. Tampouco queremos que nossas filhas tornem-se prostitutas.
O critério tem base no não desenvolvimento do sistema nervoso, se não me falha a memória. Sem sistema nervoso um ser não vê, não sente, não tem noção do mundo à sua volta. Tente imaginar como é viver sem visão, olfato, paladar, audição, e o principal, tato. Sem sistema nervoso não há ser senciente. Não se sente dor ou prazer. Você pode argumentar filosoficamente que isso é um ser vivo, mas você considera algo assim vivo? Mesmo que você considere aqui é que consta a diferença entre um ser de 12 e um de 13 semanas, mesmo que ele tenha vida ele não sente, portanto até aqui, tudo que digo aqui é do meu ponto de vista, não se sente remorso por privar algo de ter vida quando ele não sente (aqui num sentido biológico, sem entrar em consideração conceitos holísticos ou filosóficos do que é sentir).
É aí o ponto de discordância meu para a maioria dos abortistas. Mas não creio que isso chegue ao profundo nível da Filosofia não; acho que isso é meramente lógica. O ser está ali. Não tem cérebro, ainda, mas há de ter. Tal como um sujeito em coma: também não tem nenhuma sensibilidade, mas não deixa de ser
pessoa: nem por isso fica aberta a brecha para que o cônjuge mande injetar-lhe cloreto de potássio por qualquer que seja o motivo, como apropriar-se de uma herança. Naquele momento, o sujeito está inteiramente sem consciência e com sistema sensorial inativo. Mas há atividade biológica, não há?
Essa é a minha tristeza: no julgamento da ADPF 54, em que o STF julgou constitucional o aborto de anencefálicos, a Ministra Rosa Weber cometeu o despautério de dizer: "O Direito se basta. O Direito pode criar seu próprio conceito de vida." (dane-se a Biologia, então).
Você não se sente confortável em fazê-lo, mas se for necessário deve ser feito. Nenhum pai deve gostar de ter que abortar seu filho, imagino que mesmo quando uma mulher é a favor e seu filho vai morrer após o nascimento não faça o procedimento morrendo de felicidade.
Sim, em nenhum momento também disse que a mulher o faz com um sorriso no rosto, como de quando vai retirar aquela prótese exagerada de silicone. E só será necessário se o médico disser que é mãe ou bebê, aí sim tornando-se uma questão de vida
versus vida.
E se considerarmos que os métodos, mesmo sendo usados perfeitamente, podem falhar? Nesse caso, o casal que não queria ter filho e fez a sua parte (aliás, você não não tem condição de julgar se um casal se preveniu ou não, de modo que esse argumento de "use camisinha" é inútil) e deve então considerar a gravidez uma graça de Deus e ser feliz?
Não tenho mesmo condição de julgar se eles se preveniram ou não, mas não entendo por que isso invalida dizer para usarem sempre camisinha (ou qualquer outro método contraceptivo). E se acontecer apesar de tudo, foi o que eu disse acima:
paciência. É paciência mesmo, respirar fundo, chorar nos primeiros dias se necessário, mas então começar a planejar a vida. E sim, ser feliz! Por que não? A alternativa é matar o filho. E não empreguemos eufemismos, é
matar mesmo.
Eu ainda mantenho a opinião que dei em meu último post, e não tenho certeza se já disse isso antes, mas ainda não vi bons argumentos que justifiquem o aborto, com exceção dessa questão de saúde pública, onde a única solução (até o momento) seria de fato legalizar e acompanhar todos os processos, recolhendo dados de cada caso afim de implementar campanhas mais objetivas que consigam reduzir o número de abortos.
A ideia de que a legalização é uma questão de saúde pública é falsa, pois é circunstancial. O que importa é a conduta em si, e não o modo de praticá-la. "Milhares de mulheres morrem devido a abortos clandestinos, logo devemos legalizar para poder trazer tudo às claras e dar mais segurança." Mas mais segurança a quê? Ao aborto? Aborto não deve ser feito! Logo, eliminada a conduta principal, automaticamente some o problema de saúde pública a ele relacionado!.
Veja isto:
"vamos proibir cercas elétricas porque elas às vezes não são ajustadas corretamente, excedendo a corrente elétrica máxima tolerável, causando choques fatais nos indivíduos que tocam-na com a virilha no momento em que tentam pulá-la para invadir a casa. Outro problema muito comum que se vê é que as descargas elétricas sobre os ladinos frequentemente os fazem cair e bater a cabeça, constituindo, assim, um problema generalizado nos hospitais da rede pública, um risco proibido e intolerável, portanto". O que você acha?