Eu jamais esqueceria nenhuma palavra deste encontro, pois remoí e me odiei por cada uma desde que Gandalf desapareceu e desfez-se o feitiço, instante em que eu compreendi as suas intenções.
"Saúde a liberdade, Rei Thráin!", disse ele ao deparar-se com meu silêncio obstinado. "Pois a maré volta-se agora a favor dos Povos Livres, e o seu retorno animará os corações do Povo de Durin para restituir sua antiga glória!" Ele pronunciou estas belas palavras em khuzdul, e isto, junto ao encantamento, rompeu a minha desconfiança como vidro que se espatifa ao chão.
"Gandalf!", sussurrei, e recordo-me de como a minha voz soou-me estranha após tanto tempo sem uso. "Mas como descobriu o meu cativeiro?"
"Magos têm muitos meios", ele respondeu, ao seu estilo. "Porém não venho somente por ti, Rei Thráin, mas por assunto que transcende a importância de todos os reis. Há muito tempo encontro-me no rastro dos Anéis de Poder que ainda não se encontram sob o controle do Inimigo. O paradeiro do último dos Sete é o único que ainda permanece desconhecido. Thrór era muito reservado em relação aos próprios tesouros, e não encontrei ninguém a quem ele tivesse assegurado esta informação. Portanto, Rei Thráin!, pois ao filho e herdeiro mesmo Thrór não se furtaria de revelar o segredo,
o anel encontra-se escondido na Montanha Solitária? Pois é sabido que Thrór não o portava quando da assolação de Smaug".
"Infelizmente!", respondi com grande esforço, pois a lembrança ainda me doía. "O anel encontrava-se em meu poder. Meu pai me confiara a sua guarda. Mas, como vê, tudo aqui me foi subtraído. Todos os Sete encontram-se agora além do alcance do nosso povo, e o mapa e a chave que poderiam nos trazer a Montanha de volta também".
"Um mapa e uma chave para a Montanha?", disse Gandalf, e só depois eu entendi por que um brilho faiscou em seu olhar naquele momento.
"Sim, há muito os guardava", respondi, tolamente. "Existe uma porta secreta que Smaug não pode conhecer, pois não se assemelha a tal e jamais foi usada, e o acesso interno até ela é pequeno demais para o seu tamanho. Contudo, não pode ser aberta sem a chave, nem creio que qualquer de nós seria capaz de encontrá-la sem o mapa. Eu os guardava há muito tempo à espera do dia em que nosso povo estivesse forte o suficiente para reunir um exército e, a partir desta entrada, enfrentar Smaug com machado e escudo! Pois só desta forma poderíamos ter qualquer esperança de enfrentar o demônio e recuperar o que é nosso".
Neste momento, Gandalf permaneceu em silêncio por muito tempo, e eu tardiamente me dei conta de que ele não movera um músculo (ou magia) para livrar-me das correntes que me prendiam.
"Mas podemos traçar novos planos quando estivermos lá fora", disse eu, ainda envolto em esperança. "Ajude-me, Gandalf!".
Ele lançou-me um olhar súbito, e eu pude perceber uma ligeira hesitação. Mas a malícia prevaleceu, e ele desapareceu, deixando-me para minguar nas masmorras do Inimigo.
Não sei quanto tempo se passou até que a fortaleza fosse atacada por estranhos poderes e eu conseguisse escapar em meio aos escombros. Mas grande foi o ódio quando descobri o encontro de Gandalf com meu filho, e eu compreendi os planos que ele traçou para usá-lo. Portas secretas dos anões não se revelam sem a presença de anões, é óbvio. Quis Mahal* que seus planos dessem errado. Mas uma pena que a todos conseguiu enganar - até aqui! Hoje confio neste Círculo para que a justiça enfim seja feita a este patife.
* Aulë